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O palhaço Arrelia

 

No início dos anos 30 eu morava com meus pais na avenida 8, entre as ruas 1 e 2, em Rio Claro, cidade de ruas numeradas, como as americanas.


Uma tarde, estava eu em frente à minha casa e vejo chegar e parar à porta de uma pensão grande, que se situava vis a vis de minha casa, o letreiro do caminhão do circo Seyssel.


Seu pessoal foi descendo e entrando na pensão, onde ficaria instalado durante a temporada do circo na cidade. O último a entrar foi um jovem atlético, bem vestido, que entrou com uma linda jovem, que mais tarde soube que era sua irmã, uma das artistas da equipe.


Em dois outros dias fiquei conhecendo o palhaço Arrelia, a jovem domadora de animais selvagens, e outros artistas. Fui logo convidado a assistir aos espetáculos, em nome da vizinhança. Aproveitei e até fiquei encantado com a jovem irmã do palhaço.


Passados os dias da temporada, foram-se para outra cidade, nesse marchar sem fim dos concorrentes de ciganos que eram, na época, os artistas circenses. Despedi-me como pude dos meus amigos de momento, e disse a Arrelia e sua linda irmã que ainda os encontraria um dia.


O tempo passou. Nunca mais encontraria Arrelia e sua equipe, por não freqüentar espetáculos de circo. Na verdade, esqueci-me do pavilhão, dos artistas, de tudo. Outros interesses me chamaram a diferente atividade.


Já em São Paulo, já integrado em vários grupos, uns de estudo outros de trabalho, fui indicado, por iniciativa de meu caríssimo amigo, professor Miguel Reale, para um lugar no Conselho Estadual de Cultura, como representante do jornalismo, pois eu era diretor dos Diários Associados.


Na primeira reunião, sob a presidência do saudoso Péricles Eugênio da Silva Ramos, compareci e tive a alegria de encontrar, sentado na poltrona vizinha a que me era destinada, quem, senão Arrelia. Na sessão a que fui apresentado, Arrelia tomou a palavra e lembrou que éramos antigos na amizade, éramos de Rio Claro, numa das passagens pela cidade do famoso circo Seyssel.


Nas reuniões do Conselho Arrelia fazia questão de ser chamado pelo apelido circense. Já não era jovem, mas tinha exuberância de vida. Sempre de bom humor, logo conquistava a simpatia de novos membros do Conselho. Durou o tempo de minha presença no Conselho o nosso reencontro, e de novo perdi de vista o famoso Arrelia, que fez tanta gente rir de suas palhaçadas. Nunca mais o vi, nem ele, nem os de sua família, inclusive a irmã, que, me informou ele mesmo, havia se casado e era dona de casa, com vários filhos para criar.


Leio agora nos jornais, com um profundo sentimento de nostalgia, mais do que de saudade, que também em acicata, que Arrelia partiu para o reino de Deus Nosso Senhor para fazer a alegria dos anjos e dos habitantes da morada de Deus para os seus filhos, dentre eles um grande palhaço.


Tenho nestes dias cargas de tristezas, pela morte de minha mulher, pelo dramático fim de uma esposa queridíssima e identificada, sempre, com seu marido, mas no meio das tristezas cabe um lugar, modesto, mas sincero ao palhaço alegria, que lá se foi com 99 anos de idade e um nome que tinha raízes na França, de onde imigraram seus pais, no século passado. Adeus, Arrelia. Muito grato por tudo.


 


 


Diário do Comércio (São Paulo) 27/05/2005

Diário do Comércio (São Paulo), 27/05/2005