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O país da consciência e o Brasil do perdão

 

O remate do julgamento do mensalão é de impactos inéditos na consciência nacional e seu avanço irrecorrível. De saída, o da realização da justiça chegada aos superpoderosos, desbaratados dos velhos nichos da impunidade. Esvaiu-se a acomodação de sempre, do atraso dos julgamentos, e da aposta na perda da memória coletiva. No caso, por um quase monopólio midiático da atenção popular, que, por sua vez, traduzia um fato sociológico: o da virada de página do imperativo da tolerância com a corrupção, amadurecida pelo nosso desenvolvimento. Garantiu-a Joaquim Barbosa, nos atributos todos da figura vingadora, para a superação, de vez, do país acomodado.  Irrelevante no caso é se saber se este sentimento coletivo desbordou do velho moralismo das classes médias brasileiras para o País recentemente saído da marginalidade, e mais ligado, de imediato, ao fruir de seu acesso à economia de mercado.

A consciência nacional, de fato, amadurece quando é contagiante, e, num país até há pouco dominado pelo status quo, e por seu sentimento das conveniências sociais. O que, agora, irrompe, depois das sentenças drásticas, é o choque, nessa mesma consciência, do tamanho das condenações, e de como, a serem cumpridas, ferem este amplo sentimento de leniência, que se entrama na velha cordialidade do povo brasileiro.

Vai por certo, ainda, demorar a guerra das trincheiras dos recursos e contrarrecursos, em que é fértil o nosso direito, e que atrasam os fatos consumados. Mal começa a se afigurar no horizonte do povo a ideia de um encarceramento de José Dirceu por dez anos, e, mormente diante do presente cenário, da continuação de sua liberdade, na normalidade do seu dia a dia. Não se trata apenas de atentar às cautelas da Constituição, em termos de direitos humanos, ligados às penas, da anistia, até os limites de tempo de cela, ou de regime aberto. O clima das sentenças, comandadas por Joaquim Barbosa, defrontou a nova dimensão da aplicação da justiça, qual a do dosímetro das penalidades, e tornaria inevitável a busca do castigo cabal, pesando o repente da coletividade agredida, mais que a efetiva responsabilidade dos réus. O mais importante julgamento da Corte Suprema não pode ficar para a história, à margem do que ainda lograrão os recursos, na tessitura da nossa cordialidade atávica, por sobre a explosão do primeiro repúdio ao Brasil de ontem.

Jornal do Commercio (RJ), 24/12/2012