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O "Fico" de Lula

 

O primeiro "Fico" da História do Brasil foi pedido pelo povo ao príncipe regente, Dom Pedro, o intrépido filho do prudente Rei Dom João VI. Numa exclamação, deu a conhecer a sua decisão: "Se é para o bem de todos e felicidade da nação, digam ao povo que fico". O príncipe ficaria no Brasil, não voltaria a Portugal, como queriam as cortes, e armaria a independência do Brasil.


O segundo "Fico" é do presidente Lula, que acaba de declarar à mídia que ficará no poder, não o deixando como Getúlio, Jânio e Jango; o primeiro pelo suicídio, o segundo por mau cálculo da reação das multidões, principalmente onde tem força o ato consumado, essa herança do Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, celebrizada por Ruy Barbosa. E o terceiro, Jango, que contava com o apoio militar e falhou.


O presidente foi, mesmo, bem explícito, declarando que faria como Juscelino, o hábil mineiro que foi conduzindo o carro do Estado às caneladas, até que saiu como o grande malabarista, que impediu mais uma revolução na América Latina.


Mas, as situações são diferentes. O presidente Lula está a vários anos-luz do simpático mineiro, de quem Santiago Dantas dizia: "Não chegue perto do hábil mineiro, que você acaba seduzido por seu charme". É o que falta a Lula, embora a perseverança o salva, não raro.


O propósito de Lula é válido em sua situação, mas é preciso ver se sua resistência moral e cívica, além da política, suporta a pressão que está entrando e não recuando, como se pensa, sobre seu destino.


A política, já escrevi muitas vezes, não tem entranhas, como a revolução. Ela devora os próprios filhos. O presidente Lula pode ser um deles, como observador de muitos e muitos anos do mundo áspero, semeado de arestas cortantes.


O fato é, no momento, que a situação de Lula não é boa, mas pode melhorar, ou, seguindo provas, acusações e descobertas, pode piorar.


A política, sobretudo a que temos no Brasil, é dessas artes que tem ladeiras a vencer e o faz sacrificando os que brindou, como é tipicamente o caso de Lula. O herói anônimo até certa altura de sua vida, de carreira fulgurante, pode encontrar o seu abismo sem esperar por um lance de acaso.


Enfim, o destino do presidente Lula ainda encerra incógnitas, que irão se desvendando no angustiado dia-a-dia.




Diário do Comércio (São Paulo) 29/08/2005

Diário do Comércio (São Paulo), 29/08/2005