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O cinema como espelho do povo de uma nação

 

Com o governo Bolsonaro, toda a cultura — e também o cinema — está nas mãos destes playboys aprendizes de miliciano

Redes sociais: Paulo Offshore Guedes mandou pros destinos competentes um plano do governo de acabar com todo e qualquer tipo de investimento do Estado no cinema. Acabou-se Lei do Audiovisual, Lei Rouanet, Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e mesmo a Ancine, que já não funciona pro cinema brasileiro, vai acabar sendo fechada.

“Chora mais, que tá pouco”. Assim o ex-ator e secretário especial de Cultura do governo Bolsonaro, Mario Frias, publicou nas redes sociais a respeito da demissão de 174 peritos que emitiam pareceres sobre projetos da Lei Rouanet. Após o ato de demissão, Mário Frias e André Porciúncula, secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, foram encontrados no 2º Batalhão de Polícia do Exército, onde existe um clube de tiro, e, armados até os dentes com fuzis, posaram para fotos. “Esta é a nossa verdadeira agenda cultural”, disse Porciúncula.

A portaria sobre o desligamento dos peritos foi publicada no Diário Oficial da União, e Porciúncula afirmou ironicamente que novos pareceristas serão chamados e “terão que atender as metas estabelecidas para manter um alto padrão de serviços”. Num clima de deboche, afirmou que “a administração pública não pode mais ficar refém do antigo modelo de gestão”. Completou: “depois de demitir quem não produz adequadamente, não se pode treinar tiro?”

Como se sabe, o cinema não é uma atividade que atua em função da lei Rouanet, mas o secretário de Cultura Mario Frias é o responsável por todo o processo que ainda restou de apoio ao cinema, seja via leis de incentivo, administração da Ancine e do FSA, além de comandar o Conselho Superior de Cinema e o Comitê Gestor do Audiovisual. Há notícias de perseguições burocráticas aos produtores, como a de obrigá-los a manter disponibilizadas todas as despesas de seus filmes, inclusive digitalizadas, aumentando custos, como também levando suas empresas a um esgotamento financeiro, e seus proprietários, a uma tortura mental generalizada.

Ou seja, até segunda ordem, este é o quadro a que chegamos depois que a burocracia foi se tornando “um monstro”, como previu Nelson Pereira dos Santos. Com o governo Bolsonaro, toda a cultura — e também o cinema — está nas mãos destes playboys aprendizes de miliciano, como se pode conferir na foto abaixo.

O general Braga Neto, atual ministro da Defesa, questionou o voto eletrônico, ameaçando as próximas eleições, se elas não forem realizadas através do voto impresso. Ele não acha que tenha havido um golpe e muito menos uma ditadura no Brasil. Ele acha que, se tivesse havido uma ditadura, muita gente não estaria aqui agora. O general parece não saber que Stuart Angel tinha 25 anos quando foi assassinado, amarrado ao cano de gasolina de um veículo militar, na própria caserna em que esteve preso e foi torturado. A mãe dele, Zuzu Angel, também foi morta em seu carro, por militares, quando saía de um dos túneis da cidade. Vladimir Herzog, aos 38 anos de idade, foi assassinado num falso suicídio, farsa montada num quartel em que estava preso. Rubens Paiva desapareceu voltando do Chile.

A ditadura militar precisava ter matado mais, torturado mais, preso mais gente, pra poder ser chamada de ditadura? Esses militares, como o ministro da Defesa, podem até ter gostado da ditadura militar, mas negar que ela tenha existido é gozar com a cara da população que conhece a verdade.

Quando escondem na semântica da narração ou na falsificação dos dados históricos o que de fato aconteceu na ditadura, os generais de hoje são cúmplices dos que naquele tempo fecharam o Congresso, demitiram juízes, censuraram a imprensa e a cultura, torturaram e mataram cidadãos brasileiros de todas as idades.

O Globo, 17/10/2021