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O Carnaval e o menino

 

"No grande teatro da vida vão levar mais uma vez a revista colossal: Pierrô, Arlequim e Colombina vão a preços populares repetir o Carnaval." Na voz de Mário Reis, que serviu de modelo para o sucesso de João Gilberto, a marchinha estava em todos os lugares e ruas de Paquetá, onde passei parte da minha infância.

Não entendia nada dos personagens da Commedia dell'arte, muito menos dos jornais da época que xingavam o Carnaval de "tríduo momesco". Eu não sabia quem eram Pierrô, Arlequim e Colombina, muito menos o que era tríduo momesco. O pai não achava os preços tão populares assim, mas não me faltavam o lança-perfume, o saquinho de confetes e a abominável máscara de morcego, que era a fantasia oficial dos meninos de Paquetá.

Eu não tinha coragem de dizer que não gostava daquilo. Mas o pai se entusiasmava com qualquer novidade. Lá pelas quatro horas da tarde me botava uma túnica preta e a tal máscara de morcego que fedia a papelão e cola. Me mandava para a praia dos Tamoios que assumia o papel de "grande teatro da vida". Esbarrava com outros morcegos bem mais animados do que eu. Procurei me esconder atrás da Pedra da Moreninha, onde estavam gravados em bronze os versos de Hermes Fontes: "Paquetá é um céu profundo que começa neste mundo e não sabe onde acabar".

De repente esbarrei com uma caveira, provavelmente um menino como eu, fantasiado de morte, os dentes arreganhados, a túnica branca com enorme cruz preta no peito e nas costas. Corri tanto, que não podia gritar. Pior de tudo, não sabia onde devia ir.

Estou correndo até hoje. Amigos reclamam que ando depressa demais, achando que não dou importância a eles. Eu próprio não sei para onde estou indo, continuo fugindo da caveira que mutilou minha memória. 

folha de São Paulo (RJ), 07/02/2016