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O Brasil em sete personagens

 

A partir de uma matéria publicada em ZH, fiquei imaginado personagens literários típicos do Brasil. Escolhi algumas mulheres. Tem até uma boneca


Este ano o vestibular da UFRGS teve características originais e inovadoras. Partindo do princípio de que "o brasileiro pode ser caracterizado por diferentes traços de personalidade e de comportamento e que estes podem estar representados em inúmeras histórias individuais", pedia-se ao candidato para escolher um ou mais personagens literários representativos da brasilidade. O candidato tinha de justificar sua escolha explicando que traço, ou traços, de um brasileiro típico o personagem, ou os personagens representavam. Ou seja: é a literatura vista como espelho de nossa realidade. O Gabriel Brust, aqui de ZH, colheu uma série de boas opiniões sobre o tema. A partir da matéria dele, fiquei pensando em personagens literários típicos do Brasil, concentrando-me, porém (homenagem às gentis leitoras do Donna), em figuras femininas. Cheguei assim ao mágico número de sete personagens, uma lista que agora submeto a vocês.


A primeira é, claro, a Capitu, de Dom Casmurro. Machado de Assis é um autor que será lembrado abundantemente neste ano que marca o centenário de sua morte, e isso é bom, porque ele foi um grande intérprete da realidade brasileira, sobretudo em termos da classe média do Rio de Janeiro. Dom Casmurro é um extraordinário romance, que aborda com maestria o sombrio tema do ciúme. É narrado na primeira pessoa por Bentinho, marido de Capitu, aquela que tem "olhos de ressaca"("Olhos de ressaca? Vá, de ressaca (...) Traziam um não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca"). Pior que a ressaca é seu ciúme: ele acha que Capitu o traiu com Escobar, amigo do casal. Machado, "bruxo do Cosme Velho" faz com que cheguemos ao final sem uma resposta para a dúvida que até hoje atormenta o Brasil: Capitu traiu ou não traiu? (O Lauro Quadros bem podia fazer um Polêmica com este tema).


A segunda personagem é uma boneca: Emília, de Monteiro Lobato, que, diferente do Pinóquio, não vira ser humano. Não precisa: Emília é esperta, é ousada, é viradora - traços, convenhamos, bem brasileiros. A terceira personagem (obrigado, Roger Lerina) é a cachorra Baleia, personagem de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, publicado em 1938. É uma cachorra nordestina, enfrentando com a família de retirantes a que pertence a terrível seca da região. E Baleia aprende a sobreviver, caçando preás, ratos do campo. Eis como Graciliano descreve a cena de sua morte. "Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. Queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás (...) gordos, enormes."


A quarta personagem, Ana Terra (de O Tempo e o Vento, de Erico Verissimo), personifica a mulher gaúcha, corajosa, lutadora. Vive um caso de amor com Pedro Missioneiro, o índio que sua família abrigou, posteriormente, morto pelos irmãos dela que querem assim "salvar a honra" da família. Nas palavras do autor: "Penso nela como uma espécie de sinônimo de mãe, ventre, terra, raiz, verticalidade, permanência, paciência, espera, perseverança, coragem moral".


A quinta personagem é Gabriela, de Jorge Amado (Gabriela, Cravo e Canela, aliás, está fazendo 50 anos: foi publicado em 1958). Depois de sua fase engajada, o escritor baiano deu asas à imaginação, ao humor e à ironia, e a história da sensual Gabriela, paixão de Nacib, dá um bom exemplo disso. A interpretação de Sônia Braga na tela contribuiu para fazer da história um clássico baiano.


A sexta personagem é a Macabéa (A Hora da Estrela), de Clarice Lispector. Na figura dessa nordestina pobre, ingênua, sonhadora, Clarice simbolizou um grande número de mulheres brasileiras - e projetou a si própria.


E a sétima é a Dora Avante, de Luis Fernando Veríssimo, a única socialite socialista do mundo. Precisa dizer mais?


Claro que essa lista, como a lista de Schindler, podia ser muito maior. Mas ela serve para mostrar a vitalidade de nossa ficção. Temos grandes autores e, no RS, temos grandes leitores, que certamente devem ter gostado do desafio da UFRGS. Porque literatura é isso, não a vida que é, mas a vida que poderia ser.


Zero Hora (RS) 20/1/2008