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O bom, justo e revolucionário hábito léxico

 

Eu tinha prometido a mim mesmo não falar mais de mortes, sobretudo as de gente de minha geração. Mas ela já está mesmo indo embora e, dessa vez, quem se encantou foi nosso grande José Celso Martinez Corrêa. Repito aqui o que o presidente Lula disse dele: “O Brasil se despede hoje de um dos maiores nomes da história do teatro brasileiro, um de nossos mais criativos artistas”.

Aos bolsonaristas tarados lembro que nos últimos anos morreu gente como João Gilberto, Paulo Gustavo, Arnaldo Jabor e outros grandes artistas brasileiros. Nosso ignorante e agressivo ex-presidente não se manifestou por nenhum deles. Mantendo-se calado, não permitiu que o Brasil oficial reagisse ao desaparecimento dessa elite cultural, a fina flor dos brasileiros que valem a pena.

Agora, nos dias de hoje, a novidade entre nós é o racismo que não é mais apenas um aparato de direita mas também uma formulação de esquerda, dividida entre uma “esquerda” oportunista e uma outra que, não sabendo para onde ir, tenta convencer seus eventuais apoiadores de sua isenção.

Inventaram um “lugar de fala” que só permite a quem já viveu experiência semelhante se expressar sobre o que se vê ou o que se conta. Shakespeare não poderia jamais descrever a paixão entre Romeu e Julieta, pois ele nunca esteve na Itália, onde se passa a tragédia imaginada pelo dramaturgo. Assim como nosso Chico Buarque não poderia nunca ter escrito suas canções femininas, já que ele nunca foi uma senhorita, como as que descreve ali.

Bem que podíamos ressuscitar alguns de nossos melhores autores, como Darcy Ribeiro ou Sérgio Buarque. Ou ainda Glauber Rocha, Ferreira Gullar ou Zé Celso. Com cartas escritas por qualquer deles podíamos, no estilo que sabemos de cada um, pôr as coisas em seus devidos lugares.

O Globo, 09/07/2023