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O banqueiro do ônibus

 

Os passageiros encontraram-no sentado no banco, segurando um cartaz que dizia: "Cedo este lugar"


Lotados, ônibus e metrô retiram bancos. Está cada vez mais difícil conseguir um banco no transporte coletivo, tanto devido à superlotação crescente de usuários como a redução também crescente dos espaços para sentar nos veículos. Cotidiano, 17 de setembro de 2007


UMA VEZ DESENCADEADO o processo, já não podia ser detido. Apesar dos protestos dos passageiros, cada vez mais numerosos, os bancos foram sendo retirados, um a um. O motivo era sempre o mesmo: necessidade de espaço. Por fim, restou no ônibus apenas um banco. Por que ficou esse banco era um mistério. Talvez representasse o cumprimento de alguma determinação, no sentido de fornecer assentos ao menos para idosos, ou inválidos ou grávidas. Se era esse o propósito, o certo é que a coisa não funcionou. Tão logo os passageiros entravam no veículo, corriam para o banco e aí os mais rápidos, ou mais fortes, ou mais violentos ocupavam-no. Lei da selva, portanto. Coisa que despertava o ressentimento de outros passageiros.


O Agenor, contudo, não se importava com isso. Rapaz jovem, bem disposto, poderia facilmente conseguir um lugar no banco, primeiro porque era ágil e vigoroso, e depois porque embarcava no veículo já na sua primeira parada, quando o número de passageiros ainda não era tão grande. Mas o Agenor não fazia questão de sentar, ainda que o trajeto até o centro da cidade fosse longo - durava às vezes mais de duas horas. Boa pessoa, não se importava de ficar de pé, conversando com os amigos.


Tudo isto mudou quando Agenor perdeu o emprego. De repente, e sem maiores explicações, o patrão despediu-o. Amargurado, Agenor continuava tomando o ônibus, mas agora com outra finalidade: ia em busca de lugares para trabalhar.


Busca inútil, aliás. Arranjar emprego estava difícil, tão difícil quanto era, para os outros passageiros, conseguir assento no único banco do ônibus.


E isto deu uma idéia ao Agenor. Uma idéia que ele imediatamente pôs em prática. E assim, um dia os passageiros encontraram-no sentado no banco, segurando um pequeno cartaz que dizia: "Cedo este lugar". Abaixo, a quantia que cobrava, e que era relativamente modesta.


A princípio, aquilo gerou surpresa, e até revolta. Mas logo um senhor que teria de ir até o centro alugou o lugar. No mesmo dia, uma senhora com uma criança fez a mesma coisa.


Alugar o lugar no banco tornou-se uma rotina para Agenor. A companhia de ônibus tentou impedi-lo de fazer isso, mas aparentemente não há nenhuma lei que proíba um passageiro de segurar um cartaz. Mesmo porque Agenor dá o lugar para as pessoas que realmente dele necessitam, idosos, grávidas, gente com problemas físicos. O que não lhe prejudica: sempre há gente que, sem se enquadrar nestas categorias, quer viajar sentada. Como disse um homem, a vida cansa, e o cansaço da vida já é suficiente, não é preciso acrescentar a ele o cansaço de uma longa viagem.


Os amigos de Agenor chamam-no de banqueiro. Brincadeira, obviamente, mas a verdade é que ele está ganhando bom dinheiro, muito mais do que ganhou em qualquer dos empregos que teve. Tanto que já está pensando em investir. Nas horas vagas faz um curso sobre ações.


Ele e muitos outros. É tanta gente assistindo às palestras que às vezes Agenor tem de ficar de pé. O que, para quem passa tanto tempo sentado, é até uma forma de descansar.


Folha de S. Paulo (SP) 24/9/2007