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O amor é um jogo de tiro ao alvo

 

Ela arremessou de novo, desta vez visando a boca, aquela boca que tantas vezes beijara. E mais uma vez errou


Nos Estados Unidos, a moda agora é fazer a festa da separação. As festas tornaram-se grandes eventos e algumas empresas estão se especializando nisso para atender a demanda. De reuniões discretas a festanças de arromba, de shows performáticos a viagens extravagantes, vale exatamente TUDO na hora de comemorar essa nova fase da vida, com direito a jogo de dardos em que a foto do ex é o alvo. Renata Rode, UOL


A SEPARAÇÃO foi traumática, dolorosa, humilhante, e ela achou que simplesmente não conseguiria sobreviver. As amigas, porém, deram a maior força: apelaram para a sua conhecida bravura, lembraram que a vida teria de continuar e que breve ela encontraria outro namorado, muito melhor que o panaca que a abandonara. Finalmente ela saiu da fossa e, para mostrá-lo ao mundo, resolveu dar uma festa de arromba, uma festa cuja lembrança incomodasse o ex pelo resto de seus dias. Teria de usar para isso todas as suas economias, mas certamente valeria a pena. Contactou uma empresa especializada, que se encarregou de todos os preparativos, e assim, no dia marcado, lá estava ela, com todas as amigas e amigos.


O lugar era um restaurante de luxo reservado especialmente para a celebração. Que foi um sucesso. A comida estava ótima, o vinho era maravilhoso, a música, a cargo de um conhecido DJ, estupenda. Cantaram, dançaram, fizeram brincadeiras e lá pelas tantas, já meio alta por causa da bebida, ela chegou à conclusão de que a coisa realmente funcionara e que o ex-namorado agora era uma figura que ela mal lembrava.


E então o mestre-de-cerimônias pegou o microfone e anunciou que chegara o momento culminante do evento. Uma espécie de ritual que para sempre livraria a moça de qualquer penosa recordação do passado. Convidou-a a passar à frente. E aí descerrou-se uma cortina no fundo do salão e, iluminada por um potente holofote, apareceu uma enorme foto dele.


O mestre-de-cerimônias entregou à moça três dardos. Ela deveria atirá-los na foto. E, quando o terceiro dardo ali se cravasse, ela poderia se considerar liberta daquela dolorosa ligação. Hesitante, mas rindo muito, ela pegou os três dardos e postou-se na frente da foto, a uns três metros de distância desta. E preparou-se para atirar o primeiro dardo, mirando na testa dele, aquela testa alta, bonita, que ela tanto admirara. Contou até três e arremessou o dardo. Errou. O dardo foi bater na parede, longe da foto, e caiu no chão. Todos riram, estimulando-a: "De novo! De novo!"


Ela arremessou de novo, desta vez visando a boca, aquela boca que tantas vezes beijara. E mais uma vez errou, o dardo indo se cravar na cortina.


Àquela altura estava transtornada de raiva e de desespero. Assim como errara na vida, estava errando com os dardos. E isso não podia acontecer, não podia. Ela tinha de acabar com aquele maldito. Pegou o terceiro dado e mirou o peito, aquele peito que abrigava um coração cruel. Mas desta vez o dardo nem chegou à foto.


Simplesmente descreveu uma curva e caiu no chão. Chorando, ela abandonou o restaurante. E sumiu: há muito tempo os amigos não a vêem. Parece que está na casa dos pais, no interior, mas o que faz lá é um mistério. Talvez esteja tomando aulas sobre como acertar no alvo com dardos.


Folha de S. Paulo (SP) 3/12/2007