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No reino das propinas

 

Se o Rio não chegou ao fundo do poço, é porque o nosso poço não tem fundo. Há pelo menos uma semana as denúncias de corrupção no estado e no município frequentam a primeira página do jornal. Ainda ontem, a manchete foi a confissão de um empresário de que seu grupo desviou R$ 50 milhões e de que Wilson Witzel embolsou R$ 980 mil. Mas, como este se encontra a caminho do impeachment, o problema agora é Marcelo Crivella.

O prefeito era conhecido por sua incompetência como gestor, não pela prática de corrupção, até que o Ministério Público desvendou e escancarou o esquema de propina cujo QG funcionaria na própria prefeitura. Sem muito esforço, os investigadores encontraram indícios de “bilionárias movimentações atípicas” até onde não esperavam — na Igreja Universal do Reino de Deus. Não foi difícil concluir que ela estava “sendo utilizada como instrumento para lavagem de dinheiro, fruto da endêmica corrupção instalada na alta cúpula da administração municipal do Rio”. Afinal, como eles observaram, em um ano as contas da entidade religiosa da qual o prefeito é bispo licenciado tiveram uma movimentação de quase R$ 6 bilhões.

Talvez por confiar na impunidade, não tomavam precaução sobre o que falavam. Só com a análise das mensagens faz-se uma antologia do servilismo e da pusilanimidade de um dos interlocutores, o prefeito. O MP classificou o conteúdo de “perturbador”.

Para a desembargadora Rosa Helena Guita, relatora do caso no Tribunal de Justiça, é “assustadora a subserviência” do prefeito a Rafael Alves. Este personagem, que não tem cargo na prefeitura, é chamado de “o homem-bomba” e, na verdade, parece ser muito perigoso, pelo menos para o prefeito, que é tratado com desrespeito e arrogância.

Uns poucos exemplos:

“Não quero cargo nem status, quero retorno do que está sendo investido.”

“Covardia ou falta de palavra comigo, eu não vou aceitar.”

“Mas uma vez não honrando comigo a sua palavra”.

“Eu não aceito isso, não aceito falta de palavra comigo. Fui leal até aqui.”

Mas quem deu a frase que pode servir de epígrafe a um pedido de impeachment foi o também interlocutor, o ex-marqueteiro da campanha de Crivella Marcello Faulhaber: “Tudo debaixo de seu nariz. Esse é um governo que rouba, que o prefeito sabe que rouba, e que mesmo assim não faz nada”

O Globo, 16/09/2020