Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Niemeyer e o breviário da perenidade

Niemeyer e o breviário da perenidade

 

Não foi criado o Nobel para a arquitetura e as artes plásticas, mas Niemeyer seria, sem dúvida, e de longe, o primeiro brasileiro a receber a grande palma. Quebraríamos este absoluto jejum, já que nunca tivemos o prêmio, em qualquer das suas concessões. A unanimidade indiscutível em torno do nosso arquiteto se consolidou há décadas, na obra continuada até hoje, e passou, de há muito, à posteridade.

O menino das Laranjeiras veio logo à marca da vocação, neste quadro geracional de um novo ver o nosso espaço, sob o comando de Lúcio Costa, e, de logo, do reconhecimento profético de Le Corbusier à marca de Oscar. Na "Obra do Berço", na Lagoa, a superação das janelas com os brizers individualizou, para sempre, o seu fazer. O desenho passou, logo, à exposição do espaço, no projeto único de Brasília, na criação da Polis, saída do nada. O enlace da curva do cimento, do aço e da areia, a se repetir em cada gesto do artista, no curso sempre inesperado da linha.

É a luxúria do lance, nada improvisado, a obedecer à tessitura do ainda não expresso, saído do velho planisfério cartesiano, dos esquadros e das retas, como simulacro à verdadeira leitura das formas. A curva busca sempre o feminino, no inesgotável do escondido, e no que leva a mão sempre mais longe. O pseudocursivo, em Niemeyer, segue a cadência aberta dos dédalos, no seu périplo certeiro e sem fim. Não há rascunhos em Niemeyer, nem pressentimento do explícito, mas a irrupção de uma liturgia interior, nada antecipada, no que não se retoca, no desposamento, logo, do espaço do artista todo. É a plenitude de um "ver-o-mundo", na nitidez primordial das suas convicções. Quer o primeiro descortínio, no jogo das forças sociais, frente ao espetáculo do seu tempo. A mirada é, sem concessões, a do vaticínio sobre o nosso "vir-a-ser". Comunista, não vai aos marcos críticos de um processo histórico, mas ao que vê como os desassombros-fundadores, estes, por exemplo, no louvor de Stálin, para a quebra, de vez, dos regimes do sistema e o advento dos direitos e da ética coletiva. No desabrochar da pedra ou do cimento, assegurada, toda, em espaços pletóricos, só precederia Niemeyer o regaço das formas do Aleijadinho, e o infinito dos degraus do Bom Jesus dos Matosinhos. É do mesmo lampejo que nasce a perenidade, na florescência capitosa da Catedral de Brasília.

Jornal do Commercio (RJ), 17/12/2012