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Nem que a vaca russa

 

Por incrível que pareça, a presidente Dilma Rousseff anunciou, na semana passada, um programa de concessões no valor de cerca de R$ 190 bilhões para investir em rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e telecomunicações.

Digo que parece incrível porque toda a história do PT –e particularmente de Lula e Dilma– sempre foi a de considerar a privatização um ato de traição nacional.

Lembram-se do aranzel que o PT armou em todo o país para protestar contra a privatização da Telebrás, pelo governo Fernando Henrique Cardoso?

No Rio, em São Paulo, em Belo Horizonte, no Recife, em Porto Alegre, enfim, em todas as grandes e pequenas cidades do país, os militantes petistas denunciavam a ignomínia que era entregar os serviços telefônicos do país a empresas privadas.

Naquela época, em que possuir um telefone era um privilégio, comprei um pelo equivalente a quase R$ 5.000 hoje.

Telefone era um bem tão raro e precioso que se punha na declaração do imposto de renda. Pois bem, a privatização foi feita e hoje todo o mundo tem telefone, do porteiro do meu prédio ao faxineiro que limpa a rua aqui da frente. O PT nunca mais tocou nesse assunto.

Mas continuou antiprivatista para mostrar que se mantém um partido de esquerda, mesmo quando o regime comunista já desabou no mundo inteiro. É o que eu chamo de "populismo de esquerda", que já não opõe o operariado à burguesia e, sim, o pobre contra o que Lula chama de "elite branca".

Tudo de araque, porque, enquanto enganava o povão com os programas assistencialistas, emprestava o dinheiro público a empresas capitalistas, com juros abaixo do mercado. Arvorava-se como defensor da Petrobras como empresa estatal e, de fato, a privatizou extorquindo propinas das empreiteiras.

Algumas dessas falcatruas vieram à tona agora, mas, apesar disso, Lula e Dilma continuam a posar de esquerdistas, inimigos do capitalismo e, logicamente, de contrários à privatização. Sucede que, se é fácil enganar o povão desinformado, é impossível enganar a realidade.

A situação crítica de nossos aeroportos, por exemplo, levou o governo petista a apelar para o capital privado. Como não podia usar a palavra privatização, usou concessão e, para não ser acusado de favorecer aos capitalistas, impôs tais condições às concessões que ninguém aceitou investir nos aeroportos.

Os anos se passaram, e a situação não apenas dos aeroportos, como dos portos e ferrovias, agravou-se a cada dia, sem que nenhum investimento fosse feito para resolver o problema.

Isso aumentava o custo de nossas exportações, contribuindo para o agravamento da situação econômica do país. Enquanto isso, o governo continuava investindo em programa eleitoreiros, que lhe garantiu o poder por 14 anos já.

Mas, como a realidade não se engana, a verdadeira situação econômica se impôs e obrigou a presidente Dilma a fazer o contrário de tudo o que dissera durante a última campanha eleitoral.

De fato, essa necessidade de fingir que é de esquerda foi um dos fatores decisivos –além da corrupção, é claro– para o desastre econômico a que o petismo conduziu o país. Dentro dessa mesma atitude ambígua, Lula deixou deliberadamente que se deteriorasse o intercâmbio comercial com os Estados Unidos, que sempre foram nosso maior parceiro comercial.

O desastre só não foi maior porque, mal assumiu o governo, a China se tornou o grande comprador de cereais e minérios brasileiros, enquanto nossa produção industrial perdia mercado. Nossos principais parceiros comerciais deixaram de ser as nações desenvolvidas, substituídas por Venezuela, Bolívia e Cuba, aos quais o governo petista (de esquerda) decidiu ajudar.

O resumo da ópera é que, neste ano de 2015, não dá mais para posar de inimigo do capitalismo, muito menos para insistir nas medidas populistas, porque o resultado delas foi onerar os cofres públicos e as empresas estatais.

Dilma agora teve de aumentar os preços do diesel, da gasolina, da energia elétrica e, com o ajuste fiscal, onerar a classe trabalhadora.

Mas isso ainda não basta para tapar o buraco em que o país afundou. Há que recorrer à mal afamada privatização. 

Folha de São Paulo, 21/06/2015