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Não sabem o que fazem

 

Há algum tempo, num descuido de espaço e vontade, assisti a um programa do PC do B. Fiéis ao programa do partido, ao marxismo-leninismo, presos aos slogans superados, que durante anos transmitiam a seus membros, fiquei comovido. Tanto na fidelidade aos ideais antigos, quanto na ingenuidade de uma luta cujas coordenadas se diversificaram a tal ponto que a luta perdeu não apenas o sentido, mas a oportunidade.

Certo que continuam as injustiças do capitalismo, cuja selvageria está longe de ser eliminada. Mas a questão básica é que o comunismo, braço totalitário do socialismo, faliu de forma inapelável. Será possível um socialismo democrático? Os adeptos do PC do B estão em outra, ou seja, na mesma. A verdadeira democracia se exerce através da ditadura do proletariado?

Não gosto de me meter no assunto. Mas da mesma forma que me irrito quando vejo um imbecil ter orgasmos diante do esfacelamento do mundo comunista, fico também irritado quando vejo comunistas continuarem a acreditar no caráter divinatório dos comitês centrais.

Séculos antes de Marx, Engels e Lênin, o cristianismo trouxe a boa nova fundamentada no amor entre os homens, na justiça, no bem comum. A semente era boa, e contrariando o evangelho, o fruto foi ruim: o cristianismo criou os seus dogmas, os dogmas criaram fogueiras para fritar os recalcitrantes. A mensagem serena e luminosa do cristianismo foi envenenada, até chegar ao massacre em nome da fé.

O comunismo bem podia ter aproveitado o exemplo do cristianismo, ao menos para evitar a queda no mesmo fosso. Mas, em poucos anos, alçou-se a um estado de graça que nada tinha de graça, que infelicitou povos e assassinou adversários, custando ainda por cima a vida dos milhares de mártires heroicos que fabricou.

Folha de S. Paulo, 25/01/2015