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Não há mais relógios bobos

 

O relógio foi uma invenção das grandes cidades. O mundo rural não precisa dele —sabe-se a hora pelo sol—, assim como as províncias, com suas distâncias de cobrir a pé. Hoje, nas megalópoles, ficou mais indispensável do que nunca, daí os relógios em toda parte, e tantos que nem os percebemos. Alguns pterodáctilos, como eu, continuam a levar um no pulso e, pior ainda, analógico, de ponteiros, que se movem em direção aos algarismos romanos.

Os ponteiros já tiveram os seus grandes dias. Harold Lloyd pendurou-se neles em seu filme "O Homem-Mosca" (1923) —uma capa da The New Yorker, há algum tempo, pôs Lloyd tentando se pendurar nos dígitos. Em outro clássico, "Matar ou Morrer" (1952), os 85 minutos do filme equivalem aos 85 da ação. Os bandidos chegarão pelo trem do meio-dia para matar Gary Cooper, e há muitos relógios em cena para nos lembrar disso. Sem falar no relógio do Capitão Gancho, que o crocodilo, seu inimigo, engoliu e o aterroriza com seu tic-tac. No Rio, já não temos a Rádio Relógio, mas os relógios da Glória, da Mesbla e da Central continuam firmes.

Tudo isso hoje é incompreensível para a Geração Z, que não sabe para que servem as flechinhas rumo àqueles VIII ou XII. O desuso dos relógios datou e sepultou até uma canção dos Mutantes, "O Relógio", cantada por Rita Lee, em 1968: "Meu relógio parou/ Desistiu para sempre de ser/ Antimagnético/ 22 rubis.// Eu dei corda e pensei/ Que o relógio iria viver/ Pra dizer a hora/Não andou e eu chorei.// Dois ponteiros parados a rir/ São à prova d’água/ 22 rubis."

O relógio de ponteiros tem uma vantagem. Nele, o tempo passa mais devagar.

Folha de São Paulo, 16/11/2025