Um pijama gigante, como aqueles bonecos inflados dos postos de gasolina, adornou há dias a fachada do Museu da República, antigo Palácio do Catete, sede do Governo Federal de 1897 a 1960. O pijamão era uma homenagem a Getulio Vargas, presidente constitucional que se matou lá, no dia 24 de agosto de 1954, com uma bala no peito. O gesto se deu ao raiar daquele dia e Getulio não dormira. Passara a noite com auxiliares tentando salvar seu mandato atingido pelas denúncias de corrupção. Deprimido pela falta de opções, disse boa noite, foi para seu quarto, vestiu o pijama, pegou seu revólver e disparou. Morreu no ato. Quando o encontraram, despiram-lhe o pijama chamuscado e ensangüentado, com o furo à altura do coração, e o guardaram.
Amado e odiado por igual, Getulio morto foi uma comoção nacional. Poucos meses depois, o Catete teve o mau gosto de abrir o quarto presidencial a visitas, com o pijama em cima da cama. Naquele mesmo dezembro, eu próprio, aos 6 anos, fui lá, levado por meu pai —que, antigetulista total, queria se certificar de que Getulio morrera de verdade.
Ao se matar, Getulio deixara de ser o "entreguista" odiado pelos comunistas (vide o jornal Imprensa Popular daquele dia) e se tornara o nacionalista que lutara pelos trabalhadores, daí combatido pelas "forças ocultas". Eles o reabilitaram de vez. Meu pai, ao contrário, estava entre os que nunca o perdoaram pelas torturas e pelo assassinato de inimigos políticos durante sua ditadura (1937-45).
Indiferente a essas considerações, o garoto de calças curtas que era eu só estranhava uma coisa: o pijama se limitava ao paletó. Onde estavam as calças? Getulio estaria só de paletó e cuecas ao se matar? Ao vesti-lo para a cerimônia fúnebre, teriam-no enterrado com elas? Ou, junto com suas meias e as ditas cuecas, tinham sido dadas aos pobres, de quem ele se dizia o "pai"?
O paletó do pijama ilibou Getulio de seus pecados. Imagine se lhe tivessem preservado as calças. O pijamão devia estar vestido com elas.