Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Mérida e a releitura da América Latina

Mérida e a releitura da América Latina

 

A Academia da Latinidade realizou o seu XVIII Encontro em Mérida, valendo-se da froça simbólica do Yucatán para a busca das identidades culturais profundas da América Latina. Em tempo das hegemonias, e ao mesmo tempo de sua ruptura, mais que nunca as periferias se dão conta de até foi o Ocidente na expropriação da sua subjetividade. O terrorismo do século XXI pode ser a resposta deste rapto da alma coletiva, levando as afirmações errantes, pela violência e o confronto sem volta. O mundo muçulmano foi a primeira-vítima desta toma de consciência tardia e vindicante, que envolve a visão crítica do progresso dos dois últimos séculos, e do seu saldo efetivo de vantagem para as periferias. Mais grave hoje, na banda latino-americana, é ver-se até onde as próprias representações sociais que recebemos com a independência, qual o Estado-nação tradicional quebram-se, hoje, e apontam a novas afirmações identitárias. O mais importante é assinalar o quadro de pseudos antagonismos pelos quais se logra a busca da autenticidade coletiva frente ao turbilhão de pseudos confrontos.


Este ano crítico de 2008 refletiu em Mérida a emergência, por exemplo, desses novos fundamentalismos indígenas nos países que foram levados ao máximo da contradição nacional. O arranque histórico de Correa, no Equador, se fez por vitória mínima contra Noboa, o super-miliardário, na expressão do país estritamente extrativista, da exportação de bananas, a levar a economia equatoriana, inclusive, a adotar do dólar como moeda nacional. Mas até onde a fratura interna entre Quito e Guayaquil poderia levar na busca de um reconhecimento ancestral, à da nação quetchua?


O fenômeno é manifesto nesta Bolívia, à beira da independência da República de Santa Cruz, frente ao País aymarano Altiplano. E o Estado emergente, tal como o futuro Equador das bananas, é o da prosperidade classicamente neocolonial, no êxito das exportações e na devastadora concentração de renda da chamada "Media Luna". Morales e Correa são as lideranças de fundo que, afinal, chegaram ao sucesso político, que não tem mais nada a ver com as anódinas rotações de democracias formais, e de governos militares que assolou a história desses países no século passado. O encontro de Mérida debruçou-se, também, sobre um outro avanço de consciência desses meses nascido do simulacro ás verdadeiras polarizações da mudança que representa o Chavismo e o chamado à revolução bolivariana, na tosca contrafação de Caracas. A fundação das independências do século XIX, no noroeste da América do Sul, não esconde a quase cavalhada solta que foi o seu percurso, diante de um quase vácuo histórico desses povos, mal acordados para a autonomia diante do abate das monarquias ibéricas, após as conquistas napoleônicas.


O símbolo é poderosíssimo, mas não pode se transformar em retórica, que dê ao novo Bolívar um direito irrestrito de ingerÊncia e desestabilização nos países vizinhos. O repúdio nítido, nestes dias, das Forças Armadas da Bolívia à intromissão militar de Chávez evidenciou a passagem ao grotesco depois do trágico, do que sejam os oportunismos históricos diante do alinhamento das nações mais atrasadas do Continente à real afirmação da sua mudança. E em que termos à tona - perguntou em Mérida - do Altiplano boliviano à nação aymara, é de suas raízes originais ou já, tembém, a da sua contrafação, diante dos jogos da simulação que são o último preço das dominações ocidentais?


O reexame às autênticas identidades das periferias implica, também, o mesmo confronto em que hoje se debate os Estados Unidos, na opção crítica entre Obama e McCain. Se a América Jeffersoniana vai a um lado, Sarah Palin vinculou definitivamente o voto republicano ao pior fundamentalismo do país, à defesa da nação eleita e de toda guerra preemptiva, para preservá-la como arcano das civilizações.


Na dimensão da América Latina o Brasil vai à nova ambição de liderança neste universo de multipolaridades, que quer replicar à hegemonia, no mesmo desponte da China, da Índia, da Rússia e da África do Sul. O México pode, como a única nação hoje em emergência rival à nossa, valorizar a liderança de Lula, atentando, ao mesmo tempo, à sua saída do estrito protagonismo continental para fazer avançar, em tempos de Obama ou de madame Palin, o que já é a Unasul, e o exponencial de expansão à nossa frente. Saímos, e repetiu a Conferência de Mérida, das eternas cantinelas do recomeço do desenvolvimento de sua perda e de seu impasse para algo a que não acostumamos ainda o nosso imaginário: o salto inédito do mercado interno, e a riqueza mal pressentida da enormidade das reservas já quase mitológicas do pré-sal.


Jornal do Commercio (RJ) 06/10/2008

Jornal do Commercio (RJ), 06/10/2008