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Mário Palmério, o romancista rural

 

À semelhança de Graciliano Ramos, com o seu livro São Bernardo, Mário Palmério também estreou na vida literária nem muito cedo, nem muito tarde, nem muito moço, nem velho ainda, mas naquela idade ideal, 40 anos, com o fruto quarentão de uma aventura intelectual: o livro Vila dos Confins, que ''nasceu relatório, cresceu crônica e acabou romance''.


Como parlamentar mineiro ainda desconhecido, certo dia reuniu toda aquela confusa papelada de originais desorganizados e bateu à porta da escritora Rachel de Queiroz, que se entusiasmou com o texto, recomendou-o ao Editor José Olympio e escreveu um prefácio do livro, a seguir eleito como o melhor romance de 1956, com mais de 100 mil exemplares vendidos.


Com esse livro apenas, Mário Palmério dava um soco no estômago da intelectualidade brasileira de então e nela se inseria como um dos seus maiores romancistas.


Durante um ano e meio, aceitou o cargo de embaixador do Brasil no Paraguai, do qual se demitiu em abril de 1964 como protesto contra o governo militar, e regressou aos seus deveres de escritor. Isolou-se na sua Fazenda São José do Cangalha, sudoeste de Mato Grosso, e somente alcançada por um avião Cessa, que ele mesmo pilotava.


Nela escreveu então Chapadão do Bugre, seu romance consagrador, para o qual, desde o êxito de Vila dos Confins, vinha cuidadosamente recolhendo material lingüístico e regionalista. Tanto em Vila dos Confins como em Chapadão do Bugre, o cenário preferido de Palmério, como romancista rural, foi o da vida do campo.


Para ele, o sertanejo não era propriamente um forte, como o definiu Euclides, mas um imaginativo conquistador. Na cidade, apresentava-se como um homem triste e solitário. Mas no campo era um herói e um vencedor, sonhador e poeta.


Já se considerava aí em condições de candidatar-se à Academia Brasileira de Letras, para a qual se elegeu no dia 4 de abril de 1968, sucedendo a Guimarães Rosa e sendo sucedido pelo atual acadêmico Tarcísio Padilha.


Um ano depois, Mário construiu um barco ao qual deu o nome de Frey Luiz de Carvajal, montou nele a sua própria casa, levando consigo sua mulher, a biblioteca com 5 mil livros e três cachorros de raça.


Pretendia passar seis meses na Amazônia, mas prolongou a excursão por mais seis meses e, depois, em diversas etapas, por quase dez anos.


No seu retorno, declarou a mim, repórter da Manchete, entre outras coisas o seguinte:


- Comi cobra, macaco, dormi sentado em rede, tomei banho nu. Conheci a tribo dos chibungas, que praticam o homossexualismo e a tribo dos mamaués, com os homens dispondo de tantas mulheres quantas pudessem sustentar. Enfrentei perigos ao longo de lagoas, pântanos, igarapés, rios caudalosos, infestados de jacarés, desafiando febres, animais selvagens e índios perigosos.


Advertiu para os riscos que a Amazônia estava correndo:


- Aqueles brasileiros que, desamparados e esquecidos, vivem nas fronteiras norte e oeste do Brasil, ouvem muito as rádios castelhanas da Venezuela, da Colômbia, do Peru e de Cuba, mas, apesar de tudo isto, permanecem brasileiros. Ai dos povos que mantenham desocupadas imensas extensões de terras. Porque outros povos, angustiados com a explosão demográfica, se considerarão no direito de ocupá-las.


Mário de Ascensão Palmério, que foi deputado federal pelo PTB mineiro e reitor da Universidade de Uberada, por ele fundada e construída, era um tipo apolíneo, alto, atlético, volumoso, bonitão, charmoso, hollywoodiano, do tipo de Clark Gable, com as costas largas, a cabeça saliente, as sobrancelhas cerradas, bigode saliente, a cabeleira lisa, branca, ondulada e farta.


Tinha um jeitão de xerife, de cow-boy e de coronel do interior, que nunca se afastava do cachimbo, da piteira e da gravata borboleta.


O passo era cadenciado e vagaroso. Adorava caminhar. Como homem simples, gostava de uma boa conversa, sobretudo as coloquiais. Sentia-se um pouco repórter e cronista do sertão.


Aproximei-me dele, no começo dos anos 50 até 60, e o conheci pessoalmente, como fraternais amigos, companheiros e testemunhas dessa década de ouro da democracia brasileira, com a Câmara funcionando no Rio, no Palácio Tiradentes: eu, como jornalista político, credenciado pela revista Manchete e pela TV Rio, e ele como um dos mais destacados parlamentares do PTB.


Palmério sofria de uma insuficiência respiratória, entrou em estado de coma, respirando artificialmente, até uma falência múltipla dos órgãos, depois de ter completado, seis meses antes, 80 anos. Enquanto isto, do alto de um helicóptero, eram jogadas pétalas de rosas sobre o seu caixão, que baixava à sepultura ao som de Carinhoso, um choro de Pixinguinha, de sua particular predileção.


Ele mesmo projetou o seu mausoléu com três túmulos, sendo os dos lados para dois velhos e queridos amigos e o do centro para ele mesmo, que assim explicava suas razões:


- As almas conversam. E quero ter, ao meu lado, na eternidade, pessoas inteligentes e agradáveis.


 


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 02/03/2005

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 02/03/2005