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A Lua que vem da Ásia

 

Nesta vida agitada de ler livros e mais livros, principalmente brasileiros, dos que possam elevar nossa literatura a nível mais alto - e a nós mesmos, como leitores, a um plano maior de entendimento - encontramos de vez em quando obras que abrem caminhos. Meu espanto diante de um livro nunca foi tão grande como o que senti há muitos anos, ao ler o romance "A lua vem da Ásia", de Campos de Carvalho.


Crítico literário de jornal carioca, escrevi então sobre o livro começando com essa frase: "É com um grito que um estreante chamado Campos de Carvalho entra, de fato em nossa literatura. E esse grito, solta-o ele no começo mesmo de "A lua vem da Ásia", quando diz:


"Aos dezesseis anos matei meu professor de Lógica. Invocando legítima defesa - e qual seria mais legítima? - logrei ser absolvido por 5 votos contra 2, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris. Deixei crescer a barba em pensamento, comprei um par de óculos para míope, passava noites espiando o céu estrelado, um cigarro entre os dedos. Chamava-me então Adilson, mas logo mudei para Heitor, depois Rui Barbo, depois finalmente Astrogildo, que é como me chamo ainda hoje, quando me chamo".


A personagem de "A lua vem da Ásia" acaba conseguindo fugir do "hotel", para na Rua da Liberdade, encontrar um enforcado, de quem rouba o relógio. Esse relógio o acompanhará em sua vida posterior, em que uma revolução sacode a cidade e põe, de repente, uma metralhadora nas mãos do herói. E Campos de Carvalho segue, assim, até à destruição da personagem e, portanto, ao fim do livro.


A segunda parte de "A lua vem da Ásia" gasta a intensidade da obra. Depois da corrida, o "descanso" parece não ter sentido, como o não tivera inteiramente, antes, o movimento. O amargor do romancista talvez o tenha levado, na feitura da história, a um desperdício, não só de suas qualidades de narrador como também do significado que pudesse dar à sua história.


O cinismo, às vezes desprovido de ironia, de suas palavras, levanta um dos véus que costumam cobrir os sentimentos de nossa época. Estamos, sim, passando por período de descrença. Houve sempre, no mundo, o lado dos inimigos da vida e o dos defensores da vida. A figura de Carlitos pode, sob muitos aspectos, mostrar esses dois setores, um por oposição e outro por afirmativa.


Com sua figura de homem só, sorrindo - e fazendo sorrir - diante das dificuldades, ele é bem o defensor da vida, o que não se deixa angustiar pela máquina individual nem pela outra, a máquina social em que comunidades inteiras às vezes se transformam. Carlitos é humanista, o partidário das coisas essenciais da vida.


Os inimigos desta não faltam; estão por aí, nos encontros diários, nos lugares de trabalho, nas relações sociais nos postos de maior ou menor responsabilidade. O homem que tem algo a dizer, que busca o mundo da expressão, está sempre do lado da vida (seus inimigos preferem geralmente o silêncio). E há mesmo necessidade de uma série de atos quixotescos, de lutas nunca interrompidas, a fim de que possamos preservar, em nossa geração, esse sentimento pleno de vida que, deste ou daquele modo, recebemos dos que vieram antes e temos de legar aos que chegarem depois.


Campos de Carvalho parece ficar na margem negativa do problema. Mas não. Dando a impressão de negar o que não mostra, acaba por afirmar o que nega. Daí o paradoxo de sua posição como escritor. E por isso que "A lua que vem da Ásia", com seu negativismo de superfície, finda por se constituir num instrumento do concerto necessário dos defensores da vida.


A LUA QUE VEM DA ÁSIA, de Campos de Carvalho, sai agora, sob a égide da Editora José Olympio.


Tribuna da Imprensa (RJ) 28/10/2008

Tribuna da Imprensa (RJ), 28/10/2008