Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Joel Silveira: um senhor repórter

Joel Silveira: um senhor repórter

 

Fomos nós dois, Joel e eu, colegas e remanescentes dos tempos da Bancada de Imprensa, no Palácio Tiradentes, ao longo dos inesquecíveis anos de 1950 a 1960, com a Câmara dos Deputados funcionando aqui no Rio e seu exercício diário de imensos talentos oratórios: Prado Kelly, Adauto Cardoso, Aliomar Baleeiro, Vieira de Melo, os dois Mangabeiras (Octávio e João), Carlos Lacerda, Café Filho, Oscar Corrêa, Bilac Pinto, Raul Pilla, Horácio Lafer, José Bonifácio, Gabriel Passos, Nereu Ramos, Barbosa Lima Sobrinho, Emílio Carlos, Hermes Lima, Nelson Carneiro, Almino Afonso e muitos outros.


Joel então já era, juntamente com Rubem Braga, Raul Brandão, Egydio Squeff e Thássylo Sampaio Mitke, o consagrado correspondente nos últimos meses da guerra na Itália, durante quase um ano, junto à F.E.B., sobre a qual daria depois importantes e autorizados testemunhos.


Logo em seguida, Joel seria o corajoso repórter sobre os grã-finos de São Paulo, sobre o society da Avenida Paulista e sobre um casamento na família do Conde Matarazzo.


Voltamos a nos reencontrar na redação da revista Manchete, ao lado dos acadêmicos Josué Montello, Otto Lara Resende, Antônio Houaiss e Magalhães Júnior (já falecidos) e dos atuais acadêmicos Lêdo Ivo, Arnaldo Niskier, Carlos Heitor Cony, Cícero Sandroni e Afonso Arinos, filho.


Joel foi um valente sergipano, de Lagarto, que escreveu dezenas de novelas, reportagens, crônicas, contos e romances, reunidos depois em 42 livros.


Recebeu os Prêmios Jabuti, Esso e Líbero Badaró. E, pelo conjunto de sua obra, em 1998, recebeu o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras.


Por duas vezes, candidatou-se sem sucesso ao quadro de membros efetivos da ABL, enfrentando as candidaturas de Raymundo Faoro e Zélia Gattai Amado.


Certa vez, como corajoso adversário dos governos militares, estava, na companhia de Carlos Heitor Cony, preso num quartel do Exército, quando um oficial lhe apresentou um preso acusado de corrupção para ser seu colega de cela. Joel, reconhecendo o preso, reagiu vigorosamente:


- Aqui, não. Aqui é lugar de subversivo. Corrupto é ao lado.


Costumava dizer que nos Estados Unidos, ao contrário do Brasil, nunca houvera um golpe de Estado porque lá, por coincidência, não existia embaixada americana.


Recluso em seu modesto apartamento de Copacabana, tudo lia, e, enquanto os olhos e a visão não lhe faltaram, foi um voraz devorador de livros, por mim abastecido, na medida do possível, com as obras editadas pela Academia Brasileira de Letras e que ele generosamente agradecia sempre.


Lamentava não ter tido tempo para aprender o idioma russo e ler, no original, a obra de Tolstoi.


Nos últimos meses, estava praticamente imobilizado em cima de uma cama, assistido por sua mulher Iracema, companheira dedicada e incansável.


E, há poucas semanas, quase aos 90 anos, morreu enquanto dormia, vítima de um câncer e da falência múltipla dos órgãos, levando consigo o título de "O maior repórter brasileiro de todos os tempos", ele, Joel Magno Ribeiro da Silveira, um senhor repórter, que, ainda há pouco tempo, me declarava achar a vida simplesmente injusta, porque estava vivendo 88 anos, enquanto as borboletas e os colibris viviam poucos dias.


Jornal do Brasil (RJ) 9/9/2007