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A inveja do ministro

 

Comentando a possível fusão do Ibama com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), pretendida pelo ministro Ricardo Salles, o leitor Mario Barilá Filho escreve para advertir que é preciso garantir que o nome do líder seringueiro seja mantido na instituição que resultar dessa operação, cujo objetivo seria apagar qualquer memória da luta do ambientalista pela Amazônia, que causou o seu assassinato. “O ódio de Ricardo Salles por Chico Mendes é comparável ao ódio que os grandes fazendeiros sempre sentiram pela Princesa Isabel.”

Na véspera, Bernardo Mello Franco escrevia em sua coluna o artigo “A segunda morte de Chico Mendes”, em que falava também desse desejo de eliminar o nome do seringueiro da estrutura do governo. E lembrava que Salles, com um mês no cargo, classificou o símbolo da luta pela preservação da Amazônia como “irrelevante”. “Que diferença faz quem é o Chico Mendes neste momento?”

Na época, o que mais me chamou a atenção foi o tom de deboche do ministro ao exibir seu ressentimento. Ele não se conformava que a História mantivesse viva a memória de alguém que ele chamava de “irrelevante”. Era preciso promover a segunda morte de Chico Mendes. Só que ele está vendo que foi mais fácil assassinar Chico Mendes do que se desfazer de seus feitos.

Desculpem a autorreferência, mas esse é um tema que me é muito caro, profissional e sentimentalmente. O assassinato de Chico em 1988 foi minha cobertura jornalística mais importante, rendendo para mim o Prêmio Esso, o livro “Chico Mendes —crime e castigo” e a tutela da principal testemunha, um garoto de 13 anos que tive que esconder aqui em casa, no Rio, para não ser assassinado também.

Salles deve se corroer de inveja ao comparar a biografia do “Herói dos povos da floresta”, a quem a ONU considerou um líder global na defesa do meio ambiente, com a de um ministro famoso pelas besteiras que disse e fez. A mais famosa foi propor “passar a boiada” para que ele, enquanto isso, fraudasse a legislação ambiental.

O duro é ele saber que, mais do que irrelevante, ele é danoso.

O Globo, 07/10/2020