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A imagem do Centro

 

Se há um lugar que precisa de um choque de ordem, por razões práticas e teóricas, é o Passeio Público e suas imediações. É um dos pontos mais nobres da cidade: a porta de entrada para todo o Centro histórico. Mas foi atingido pelas transformações do próprio Centro.


No Largo da Lapa, fica a Sala Cecília Meireles - hoje, com o fechamento do Teatro Municipal, abrigando o mellhor da música clássica no Rio de Janeiro. Curiosamente, a Sala sofre com o processo de modernização da Lapa.


O velho bairro se enfeita e se organiza. É lugar de bem-sucedidos lançamentos imobiliários; tem as suas casas de show, seus restaurantes. Mas, à medida que a Lapa se arruma, a confusão vai sendo jogada "de dentro para fora", atravessando os arcos na direção da Sala Cecília Meireles.


A Sala tem como vizinhos alguns prédios notáveis, que, reformados, fariam sucesso. Hoje, transformados em "cabeças de porco", eles servem de base -  sobretudo quando o sol se põe - para o comércio mais desorganizado. Sendo a calçada, ali, bastante larga, todos os limites são ultrapassados em matéria de sujeira e confusão. Então, você sai de uma sinfonia de Beethoven e cai em cima do que a cidade tem de mais atrasado e primitivo.


Assim se degrada o que devia ser um motivo de orgulho para a cidade. O Passeio Público, no século XIX, assitiu às andanças peripatéticas de José de Alencar e Machado de Assis - Machado, dez anos mais moço, tentado animar um Alencar já doente e alquebrado. No que foi até recentemente o Automóvel Clube, funcionava o Cassino Fluminense, onde se realizavam os concertos mais chiques do Segundo Reinado. Na esquina oposta à da Senador Dantas, fica o prédio imponente da Escola de Música da UFRJ.


Na calçada que prolonga a Sala Cecília Meireles, atravessando a Teotônio Regadas, instalou-se o secular Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - no mesmo lugar antigamente ocupado pelo Silogeu Brasileiro, que, por sua vez, era sede da Academia Brasileira de Letras.


Enfim, é história sobre história. Na pequena Rua das Marrecas, que vai dar na Rua do Passeio, o padre José Maurício fundou a primeira escola de música do Rio de Janeiro. Mas recetemente, ali, a Associação de Canto Coral foi sede dos ensaios em que o legendário Karl Richter preparava os Ciclos Bach dos anos 60.


Pilhas de história. Mas, também, um simbolismo bastante concreto. Uma cidade moderna (ou antiga), se quer ser decente, precisa dos seus pontos de referência. Não se pode arrumar tudo ao mesmo tempo; mas alguns lugares passam os sinais certos ou errados.


Se a porta de entrada do Centro do Rio - abrindo passagem para a Cinelândia - é a imagem da degradação e da desordem, o que esperar do resto?


O Globo (RJ), 27/3/2009