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História de um tempo

 

Nem toda crônica é autobiográfica, mas, com a própria palavra original "cronos" significando "tempo", é natural que muita crônica se apoie no "tempo" de quem a escreve. Não só o grande mestre do gênero entre nós, Machado de Assis, lembrou o passado no escrever sobre o presente, mas deixou uma tradição a que esteve a crônica brasileira sempre ligada. Vejo no livro de Pedro Rogério Moreira, saído agora, "Jornal amoroso", um dos bons escritos biográficos brasileiros do momento. A experiência jornalística contribuiu para que seu estilo autobiográfico atingisse, como atinge, um alto nível de qualidade.


Pedro Rogério Moreira é filho de Vivaldi Moreira, escritor que deu à Academia Mineira de Letras o prestígio de que hoje goza, de ser das mais dinâmicas entre suas congêneres brasileiras. Vivaldi foi também um mestre da autobiografia. Seu livro "O menino da Mata e seu cão Piloto" pode ser colocado entre o que temos de melhor no setor.


Aconteceu também com Vivaldi e Pedro Rogério o que só teve similar na Academia Brasileira de Letras quando o acadêmico Rodrigo Octávio foi sucedido em sua cadeira nº 35 por seu filho Rodrigo Octávio Filho. Também na Academia Mineira Vivaldi foi sucedido, na sua cadeira, por seu filho Pedro Rogério Moreira.


"Jornal amoroso" lembra com propriedade os últimos decênios do jornalismo e da política brasileira. Sendo mineiro, muitas de suas reminiscências falam do desenvolvimento político de seu Estado que, em todos os momentos historiados, foi também parte da política nacional brasileira.


Ligado à UDN de Magalhães Pinto, não deixa de analisar o lado pessedista, de que o autor deste artigo esteve mais próximo, via Benedicto Valladares, com quem trabalhei em muitas campanhas políticas. Mas, certa vez, quando Magalhães Pinto, então ministro do Exterior, me convidou para ser Adido Cultural na Inglaterra, ele me disse: "Meu caro, o Benedicto Valladares e eu somos muito parecidos: nossa diferença é estarmos em partidos diferentes. Acima de tudo, somos mineiros".


A parte política de "Jornal amoroso" é, tanto quanto o lado jornalístico, digna de atenção e de literatura. Todo o período de Getúlio, o intervalo democrático de 1945 e 1964 e o do regime militar até a escolha de Tancredo, com o governo Sarney, o intervalo Collor, o de Itamar e o que veio depois, aparecem nas lembranças de um escritor e jornalista que, de certa maneira e através do jornal e da política, participou de tudo.


As figuras que estuda, as decisões que acompanhou, os encontros que teve, as decisões políticas de que participou, tudo aparece no livro, inclusive na política literária, quando narra que Vivaldi Moreira pediu a Afonso Arinos que votasse, em nome da unidade mineira, em Tancredo Neves que pleiteava sua entrada na Academia Mineira de Letras. Afonso Arinos respondeu que votaria, com satisfação.


Fui amigo dos irmãos de Vivaldi, Edison Moreira e Pedro Paulo Moreira. O primeiro, poeta, apareceu várias vezes em artigos meus na coluna "Porta de livraria" de "O Globo". Pedro Paulo dirigiu a editora Itatiaia, que teve grande atividade nos anos 50 e 60, tendo sido a lançadora do romance "Doutor Jivago", de Boris Pasternak, prêmio Nobel de Literatura, que teve no Brasil uma das maiores vendas de livros aqui já havidas.


Na realidade, a história do Brasil se faz com as memórias de seus habitantes, principalmente com as dos partícipes dessa mesma história, os que, por qualquer motivo, estiveram presentes a acontecimentos e foram, às vezes, responsáveis por medidas tomadas neste ou naquele sentido. Sob esse aspecto, "Jornal amoroso", de Pedro Rogério Moreira, é um livro que pertence à nossa historiografia e como tal pode ser lido, além dos muitos paralelos que tem com a experiência de cada um no momento da ação.


Depois do assassínio do Presidente Kennedy, passou a haver uma pergunta normal de entrevistadores de cada jornal ou revista. Esta: "Onde é que você estava e o que fazia no momento em que soube da morte do presidente Kennedy?" Era como se houvese uma vontade geral de se saber como fora recebida a morte de um chefe de Estado que parecia contar com a simpatia geral das pessoas. Li este livro de Pedro Rogério Moreira fazendo-me esta mesma pergunta: "Que fazia eu em tal ou qual momento?"


"Jornal amoroso" é um lançamento da Editora Thesaurus. Editoração de Patrícia de Paula e Maité Prado. Orelhas de Félix Athayde e Victor Alegria.


Tribuna da Imprensa (RJ) 28/8/2007