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Glauber Rocha, bárbaro e barroco - parte 2

 

Nosso grande cineasta nos fala sobre o mistério da dor na criação artística

Nos dois livros sobre os quais escrevi aqui na semana passada, “Crítica Esparsa” e “O Nascimento dos Deuses”, publicados pela Fundação Clóvis Salgado, do governo de Minas Gerais, com edição organizada por Mateus Araújo, Glauber Rocha, nosso grande cineasta, nos fala sobre o mistério da dor na criação artística. Podemos ouvi-lo como numa montagem de cinema, com as citações do que diz.

Glauber diz que “Machado de Assis é decadente”, porque “Dom Casmurro, Bentinho e Rubião sofrem e se acabam desesperados”. Fala de uma paixão desbundada desde que viu, em Paris, “Une femme est une femme” e escreveu um artigo com o título de “A mulher de Godard é uma mulher”. No Pasquim, protesta contra filmes “que debocham do povo”. Depois, escreve uma carta para Celso Amorim em que rompe com todos os cineastas brasileiros. Mas diz que o Cinema Novo não vai acabar nunca, porque é a favor do povo. E anuncia um filme que pretende fazer, sobre a viagem que não aconteceu de Kennedy à América do Sul.

Nos Cahiers du Cinéma, afirma que o cinema nasce da fome, que não tem pena nem vergonha, que o mergulho na realidade é o seu estilo. No final de 1971, quando o Chile está em estado de emergência devido ao golpe em marcha contra Allende, Glauber condena revoltado a declaração de Fidel Castro, em visita a Santiago, contra a democracia. Ensina a Straub, Bertolucci e Miklos Jancso como se faz a revolução no cinema e diz que “a África é a mãe do Brasil” e que “o Terceiro Mundo é um museu em Paris”.

Em Lisboa, Glauber afirma que “o populismo só comunica analfabetismo”. Embora no exílio, Glauber quer ser governador da Bahia; mas, na volta do exilio, diz que “o charco burocrático não cria”. “Não me exijam coerência”, diz ele. O Estadão: “Glauber diz que vai salvar o cinema nacional”. “Glauber aconselha o lenocínio aos produtores de pornochanchada”, diz no Rio Grande do Sul. Em 1978, anuncia no GLOBO que “o futuro do cinema está na televisão”.

“A campanha contra a Embrafilme é mais um episódio da velha luta do imperialismo contra o nosso cinema”. Com Glauber censurado e proibido, “a Embrafilme recorre”. “Brazil’s Glauber Rocha pledges fight for laws vs. US films, says they’re basically racist”, no Variety. Glauber: “Sou democrático, liberado e libertário”. “Cabezas Cortadas’: morte ao patriarcado”. Em Veneza, Glauber briga com Louis Malle e o chama de “fascista medíocre”. Folha: “Glauber vai filmar a vida de Marx na Alemanha”. Antonioni sobre “A Idade da Terra”, em Veneza: “Lição de cinema”.

“A Idade da Terra” em Veneza: “Um vulcão baiano cospe fogo sobre a cultura europeia”. Glauber Araujo Neto: “Sou um proletário intelectual desempregado” e “Cultura no Brasil é discutir a sunga do Gabeira e o sutiã do Caetano”. “Para entender ‘A Idade da Terra’, basta ter dinheiro para comprar o ingresso”, declara em O GLOBO. E, em Brasília, “Glauber Rocha prega a Revolução Atlântica”. E: “Figueiredo pode ser o líder do Terceiro Mundo”, ainda em O GLOBO. Oito dias antes de sua morte: “Gênio da raça: a história de Glauber Rocha, o artista das metáforas”. “Apocalíptico, bárbaro, barroco”, compilação de declarações, publicadas pelo Pasquim.

No dia 21 de agosto de 1981, Glauber chega ao Rio deitado no chão de um avião, desenganado, e morre no dia seguinte. Em seu funeral, Darcy Ribeiro diz que os filmes de Glauber eram “um lamento, um grito, um berro. Uma herança de indignação”. Bia Lessa faz um filme a partir de fragmentos da obra de Glauber, com planos de seus atores dizendo o que ele sentia. Como o grito de Antonio Pitanga, em “Câncer”: “Acorda, Humanidade!”.

O Globo, 12/12/2021