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A geleia

 

 Há duas semanas que não escrevo neste diário. E, pensando bem, já é hora de encerrá-lo. Comecei a escrevê-lo quando estava à espera de um acontecimento que realmente aconteceu. Agora, até o diário perdeu o significado. E cria uma inquietação, é perigoso. Vou encerrá-lo, talvez destruí-lo.

O mais curioso é que até suspeito que estou grávida. Acreditei num troço chamado diisobuteilfenoxipolietoxietanol associado ao ácido benzoico e ao ácido ricinoleico. Decorei os nomes, de tanto lê-los na bula daquela geleia anticoncepcional que Marcelo me fez comprar. Bem que eu argumentei a favor das pílulas, mas ele me garantiu que a geleia era melhor. Afinal, com a experiência dele, deve entender melhor do que eu desses babados.

Henrique continuará pensando que eu tomo as pílulas --que, na realidade, me fazem mal, me deixam nervosa e, às vezes, chegam a me dar tonteiras. Há um mês que uso a geleia, e Henrique de nada desconfiou. Hoje, quando voltei do colégio com os garotos, passei na farmácia e comprei novo tubo da maravilhosa geleia recomendada por Marcelo.

O fato é que estou grávida, vou ter um filho que não queria. A geleia de nada adiantou, ou fui eu que não soube usá-la. Henrique ficará aborrecido com tudo isso, não só pelo filho que ele não deseja, mas pelo fato de eu ter abolido as pílulas sem avisá-lo.

Explicarei a ele, logo mais, na hora de deitar. Não deve saber o que é diisobuteilfenoxipolietoxietanol. Nem eu. O fato é que nos dias incertos do mês passado, tivemos relações normais, Henrique crente que eu havia tomado as pílulas, e eu crente que a geleia de Marcelo era mesmo eficaz.

O pior de tudo é que, justo naqueles dias do mês passado eu estava com Marcelo, em Búzios, passando o melhor fim de semana da minha vida.

 

Folha de São Paulo, 12/07/2015