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Fungos na democracia

 

A América Latina ofereceu ao mundo, nos anos 80, a maior onda de democratização depois da Segunda Guerra Mundial. O processo foi indolor, sem a violência e as guerras da descolonização na África e na Ásia.


Todos os países tornaram-se democráticos, à exceção de Cuba, que permanece intocada. Tivemos uma investida perigosa na Nicarágua de Ortega, em 1986, mas soubemos conjurar essa possibilidade por meio de difíceis iniciativas diplomáticas com o Grupo de Contadora e o Grupo de Apoio a Contadora, do qual o Brasil participou. Conseguimos afastar a tentação da guerra americana dos Contra, que toldou um pouco o governo Reagan.


No continente, a democracia consolidou suas instituições com eleições livres, alternância de poder e compromissos supranacionais de segregar qualquer país que não seguisse esse caminho. Nesta área do mundo, também nunca nos seduzimos pela corrida nuclear. Ao contrário, votamos dois instrumentos internacionais renunciando a essa hipótese: o Tratado de Tlatelolco e a moção da ONU de considerar o Atlântico sul zona de paz, livre de armas nucleares -iniciativa minha.


(Este, aliás, o problema que ameaça o futuro da humanidade.

Daí por que a comunidade internacional não deve ceder e tem que ser dura em relação à ameaça do Irã e da Coreia do Norte. Neste novo mundo de cooperação que se delineia, é esse o pensamento também dos países senhores da tecnologia nuclear. Mas não podemos recuar em exigir desses países a eliminação dessas armas. Enquanto existir uma delas, em qualquer lugar, estaremos sempre com o fantasma da destruição da Terra.)


Voltando à América Latina, ela está sofrendo o ataque de fungos que corroem nossas democracias e geram doenças que devem ser combatidas: as guerrilhas, fenômeno nosso, que já foi pior, com o Sendero Luminoso e as Farc; e as seduções de poder vitalício com as reeleições indefinidas.


Não sabemos se esse fungo vem da África -que tem o argumento de que são coisas étnicas ou tribais- ou se é uma incubação dos caudilhos que, no passado, foram a marca do continente. O certo é que acontece na Venezuela, onde a lei já passou, na Bolívia, idem, no Equador também, na Colômbia está em gestação, por vias conjugais na Argentina, e criou o caso Honduras. Significa um retrocesso.


Esse desejo é sempre precedido de restrição aos direitos políticos e individuais, bem como à liberdade de imprensa. Ainda bem que o Brasil, com o seu peso específico, exorcizou esse demônio com a atitude firme e a reiteração da formação do presidente Lula, que prestou um grande serviço à democracia. Somos, assim, o garante das liberdades e tudo devemos fazer para que essa doença não seja endêmica.


Folha de S. Paulo, 30/10/2009

Folha de S. Paulo,, 30/10/2009