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Franklin Távora em biografia exemplar

 

Nascido na década de 40, cearense radicado em Pernambuco, onde cursou a faculdade de Direito. Integrante de agremiação literária, fixou residência no Rio de Janeiro. Ficcionista e dramaturgo de reconhecido mérito, empenhou-se também em divulgar novos autores, à frente de importante revista literária.


Se o leitor julgar que, nessas linhas iniciais, estou falando da vida de Franklin Távora, acertou. O mais surpreendente, porém, é que as mesmas linhas também serviriam para sintetizar a biografia do biógrafo: Cláudio Aguiar é de 1944 (Távora, de 1842). Membro da Academia Pernambucana de Letras, publicou, entre outros, os premiados Caldeirão (romance) e Suplício de Frei Caneca (oratório dramático). Há anos dirige, com largueza de espírito e competência, o periódico Calibán. A tais aptidões se acresce em Cláudio a faceta de um exemplar pesquisador, mergulhado numa vida, numa obra e num período que estavam, de fato, a demandar uma reavaliação - agora efetuada com pleno êxito em Franklin Távora e o seu tempo.


Era particularmente escasso o material de que partiu Cláudio Aguiar, e a rarefação de informações, em vez de esmorecê-lo, forneceu-lhe ânimo suplementar para embrenhar-se em arquivos do Ceará, de Pernambuco, do Pará e do Rio de Janeiro, numa empreitada intelectual que lhe exigiu mais de uma década de laboriosa investigação. O resultado é o livro Franklin Távora e o seu tempo, que a Academia Brasileira de Letras tem o mérito de reeditar, numa justa e, por força das circunstâncias, tardia homenagem a Franklin Távora, patrono de sua cadeira 14, escritor que, ao bater-se pelo projeto de uma Associação dos Homens de Letras, lançava a semente de uma idéia que viria a germinar, alguns anos após sua morte (1888), com a criação da própria ABL, em 1897.


Em nota preliminar, o biógrafo estampa com clareza seus critérios: ater-se ao documental, evitar a tentação do ''romanesco'', que supriria fantasiosamente eventuais lacunas históricas. De certo modo, narrar já é interpretar, e seria impossível compor um relato que apagasse de todo o ângulo pelo qual se registra a matéria narrada. O que Aguiar, com notável equilíbrio, realiza é uma sistemática recusa a omitir ou mascarar aspectos menos lisonjeiros do biografado (a exemplo de sua virulenta oposição a José de Alencar). Cláudio não ''julga'', mas tenta compreender, e levar o leitor a perceber, os nós às vezes bem intrincados de uma existência, em seus conflitos com os outros e consigo mesma.


Os manuais literários tendem a minimizar a importância de Távora, reduzindo-lhe a obra à (ainda assim duvidosa) sobrevivência de O cabeleira (1876), ao manifesto pela literatura do Norte e à polêmica contra Alencar, acusado por Franklin, entre vários defeitos, de ter escrito O gaúcho sem ter jamais colocado os pés no Sul do país. Cláudio Aguiar, com sólida argumentação, destrói velhas ''verdades'' sedimentadas em torno de Távora. Destaca que não em O cabeleira, mas em outro livro, Um casamento no arrabalde (1869), estaria o ápice de sua ficção, conforme opinaram críticos do porte de José Veríssimo, Sílvio Romero, Lúcia Miguel-Pereira e Antonio Candido. Resgata projetos inconclusos do autor (as Lendas e tradições populares do Norte), capazes, quem sabe, de sensibilizar algum editor de hoje... Demonstra que a proposta de uma Literatura do Norte não continha o ranço separatista pelo qual muitos opositores, sem conhecê-la a fundo, tentaram desqualificá-la. Comprova que Távora se arrependeu das restrições a Alencar, no que elas revelavam de arroubos juvenis e compensatórios, motivados quase certamente pelo fato de o autor de Iracema ter-se calado a propósito das primeiras produções de seu conterrâneo.


Num estilo fluente, Cláudio Aguiar cumpre o que o título do livro promete: traçar o retrato de Franklin Távora, sim, mas ''e(m) seu tempo''. É rigorosa a reconstituição do ambiente mental do Brasil nas últimas décadas do século 19, flagrado em sua expressão literária, e nos terrenos, igualmente freqüentados pelo escritor, do debate político e do sistema de ensino do país. Tampouco foram omitidos alguns vastos painéis da política internacional do período, reportados por meio de uma sábia teia de articulações que enlaça a Europa, a corte fluminense e a província. Por tudo isso, o estudo de Cláudio Aguiar, para além de redimensionar a obra de Távora, também propicia e desenvolve uma ampla reflexão sobre a representatividade do homem de letras no âmago das relações entre a literatura e o poder no Brasil Imperial.




Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 23/11/2005

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 23/11/2005