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A força da memória

 

Em meu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, usei uma frase que, de vez em quando, repito, levado pela verdade que ela transmite. Esta: "País sem memória está morto e não sabe". Diga-se que o mesmo acontece com regiões definidas, com cidades e até com burgos menores. Louvo, por isto, os livros que registram, discutem e mostram os movimentos culturais de uma região e levantam a memória de trechos de nosso País onde nos reunimos para viver, agir, amar, pensar, enfim, ser. Temos permanente necessidade de guardar o que fazemos: sonetos, narrativas, contos, pinturas, músicas, móveis, prédios, como sinais individualizados de um determinado lugar.


Daí a força do livro que recebo do Maranhão. "Sal e sol", de Arlete Nogueira da Cruz. A memória cultural daquela região está nele toda. Escritora de atividade permanente pôde Arlete Nogueira da Cruz apontar os pontos altos de um movimento cultural que vem de muito longe. Afinal, desde antes de Gonçalves Dias, o Maranhão se distinguiu como centro de uma atividade literária que o tornava líder no Brasil, o que era ajudado pela maior facilidade de se atingir Lisboa em viagens mais diretas do que a de navios que saíssem do Rio de Janeiro. E foi mesmo na volta de uma dessas viagens que desapareceu Gonçalves Dias.


O que Arlete Nogueira da Cruz desejou e conseguiu fazer foi dar um retrato completo e minucioso da cultura em geral, e da literatura em particular, no seu Estado. Na abertura de seu livro, diz Arlete: "O leitor certamente verá, como eu própria acabei observando, que algumas das atuações ou episódios, aqui descritos, encontram-se repetidos em textos publicados em diferentes momentos, o que equivale dizer que foram de certa forma, significativos para mim.


Com mais de cinqüenta anos nesta atividade, que posso chamar de jornalística, deixei de lado, na seleção apresentada, muitas entrevistas que fiz com escritores amigos, bem como alguns artigos, inclusive de enfrentamento, quando tive de escrevê-los para que uma verdade, ou uma situação pública, não fosse subvertida ou escamoteada pelos equívocos, ou mesmo perversidades, de algumas opiniões.


Este livro revela um pouco daquilo que eu poderia chamar, embora em tom menor, pois que infelizmente fragmentado, de minhas memórias, desejando um dia poder completá-las. Acredito que as impressões aqui deixadas sobre pessoas e fatos contribuirão para a visualização de um tempo que foi o meu, nesta São Luis do Maranhão, da segunda metade do século XX até hoje".


Todos os que escrevem, discutem, ensinam e promovem aparecem no livro, com análises precisas e palavras certas que realçam o Maranhão, a partir do grande poeta brasileiro de nosso tempo, o maranhense Nauro Machado. O estudo é feito em páginas que esclarecem, encaminham e mostram, num estilo escorreito que une duas qualidades que dificilmente andam juntas: a da professora com a da escritora.


Livro como o de Arlete Nogueira da Cruz faz bem a uma literatura. Ao longo de suas trezentas e muitas páginas, é a cultura de um povo que se exibe com minúcias de apreciações e precisão de identificações. Deve ser lido como obra essencial na luta pela preservação de nossa memória e de nosso chão cultural.


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"Sal e sol" é um lançamento da Editora Imago, orelhas de Fernando Py, Fábio Lucas, Ivan Junqueira e Ivo Barroso. Quarta de capa de Ricardo Leão, que diz: "Este é um livro que há muito tempo a cultura maranhense clama, dada a sua importância como documento nodal de nossa história literária". Revisão de Nauro Machado, capa da própria autora sobre foto de Cristian Knepper.


Tribuna da Imprensa (RJ) 17/7/2007