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Fim da turnê

 

Está quase na hora de pegar o avião e, portanto, escrevo ainda de Berlim. Mas, por via das dúvidas, confiro na janela. Sim, lá embaixo estão as boas e velhas Windscheidstrasse e Kantstrasse - é Berlim, sim. Pode parecer maluquice, e talvez seja mesmo, o sujeito não saber bem em que cidade, ou mesmo país, está. Comigo, que sofro de acentuado cretinismo topográfico, é comuníssimo. Fizeram-me circular também por Bruxelas e outros lugares, de maneira que a confusão é natural para mim. Agora tudo me parece um redemoinho de mesas-redondas, palestras, reuniões e entrevistas, nas quais espero não ter envergonhado o Brasil, mas prefiro não procurar opiniões, é mais seguro. De qualquer forma, apresso-me a esclarecer que não viajei às custas do governo ou de qualquer entidade brasileira, fato que não mencionei antes, mas é sempre prudente lembrar. Como à maioria dos leitores, o governo não me dá nada, apesar de todo ano abocanhar uns quatro ou cinco meses dos caraminguás que, nesta vida airada de escritor, ainda consigo catar. E boto as mãos para o céu por não nos cobrarem taxa de respiração, que poderá surgir no futuro e cuja inadimplência talvez venha a ser punida com a instalação de um prendedor de roupas sobre as narinas do infeliz caloteiro, depois de decisão emanada do Ministério da Respiração, a ser criado quando não houver mais empregos para o Nosso Guia dadivar aos companheiros, ou seja, enquanto a vida de todos os componentes da famosa base aliada não estiver arrumada, principal objetivo e finalidade do governo. E a Zelite, por mais que eu reclame, tampouco jamais me deu um vintém furado, é um descalabro.


Antigamente, viajar ao exterior tinha mais graça, porque havia sempre novidades para contar. Agora a gente sabe tudo na mesma hora e pode comprar no Brasil quase tudo o que se pode comprar fora. Descartei até mesmo piadas engraçadíssimas, como aquela da decepção do criador de passarinhos brasileiro, que correu toda a Bélgica e não viu um só canário belga, ho-ho. Ou do outro brasileiro que visitou a Escócia e recusou o uísque da terra porque não bebia uísque nacional, esta é fina. Ou ainda a novíssima, segundo a qual não se acha torta alemã em Berlim, o que pode se achar é uma alemã torta ou outra, ha-ha-ha.


Pelo contrário, vamos parar de rolar de rir com minhas piadas e reconhecer que, nesta turnê, houve muitos momentos de grande seriedade. Praticamente no dia em que cheguei, um amigo alemão consternado, depois de alguma hesitação para não me assustar demais, comunicou que meu túnel acabara de cair.


- Meu túnel caiu? Meu Deus do céu, eu nem sabia que tinha um túnel¡ Você tem certeza disso?


- Caiu, caiu. Eu vi na Internet, caiu seu túnel. Mas parece que não morreu ninguém.


- Bem, pelo menos isso. Mas, me desculpe por perguntar outra vez, você tem certeza de que o túnel era meu?


- Absoluta. A notícia afirmava claramente: caiu o túnel do Brasil. Você é brasileiro, logo caiu seu túnel. É chato lhe dar esta notícia, mas achei melhor eu mesmo dá-la do que você tomar um susto pior, com algum boato que possa aparecer.


- Espere aí, Helmut. Eu sou brasileiro, mas posso lhe garantir que o túnel não era meu, acho que devem existir muito poucos túneis particulares no Brasil. Ainda mais meu, tem algo errado aí.


- Ach so¡ Há vários túneis no Brasil, então? Agora é minha vez de perguntar: você tem certeza?


Depois de mais alguns minutos de debates, elucidação de mal-entendidos e troca de informações desencontradas, Helmut, embora meio desconfiado, se convenceu da relativamente comum existência de túneis no Brasil. E, preocupado, perguntei se por acaso ele sabia o nome do túnel, ou pelo menos onde ficava. Não, ele não fazia idéia. Se soubesse antes que havia mais de um túnel no Brasil, teria prestado atenção, embora tivesse problemas com as complicadíssimas palavras de minha língua. Mas Alena sabia; não sabia, Alena? Alena, a mulher dele, sabe tudo e informou não só o lugar do túnel, como o nome: Rebokaz, Rebotschaz, uma coisa assim.


E, desta forma, me inteirei do acidente no Túnel Rebouças, no Rio de Schaneiro, e fui checar o resto. Que transtorno, que confusão na cidade, devia estar um caos completo. Mas logo, também via Internet, soube que o prefeito disse que o acidente só prejudicava quem tinha carro. Ah, bom, ah então tudo bem, exagero dessa imprensa despoliciada, nada como a palavra das autoridades competentes para nos tranqüilizar, como quando, depois de reportagens e queixas alarmistas, o presidente disse que o Brasil estava chegando à perfeição na saúde pública e compreendemos que éramos felizes e não sabíamos.


Pouco mais tarde, porém, soube da soda cáustica no leite e derivados. O quê? Soda cáustica, aquela de desentupir ralo de banheiro, que derrete até bolos de cabelo? Aquela mesmo. Não era possível e, ao contrário do Rebouças, as informações disponíveis eram poucas. Mas o Helmut, homem de esquerda, logo me acalmou. Eu que não me preocupasse, era tudo mais uma solerte manobra capitalista, disse ele. Como soda cáustica no leite é manobra capitalista?


- Você já pensou no aumento do consumo de roupas íntimas no Brasil? Há alguma que resista? Mas fique na sua, que da Silva dá logo um jeito.


Claro, claro. E me preparei todo contente para o retorno, já vendo as manchetes dos jornais: "Criado o Bolsa Cueca." Da Silva não aliveia.


O Globo (RJ) 18/11/2007

O Globo (RJ), 18/11/2007