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A face insólita da violência

 

O revólver era perfeito, enganaria qualquer um. Confiante, ele foi em frente. Imobilizou seus guardas




1. O revólver de sabão

Presos que fizeram reféns em presídio usaram arma de sabão em SP. A arma falsa usada por presos que mantiveram reféns por oito horas na penitenciária 1 de Tremembé (138 km de São Paulo) era feita de sabão. De acordo com a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), o simulacro de arma era perfeito e, possivelmente, fora fabricado pelos presos. O sabão é o do tipo usado para lavar roupas. Folha Online


QUANDO FICOU sabendo da notícia, a primeira pergunta que lhe ocorreu foi: será que eu poderia fazer a mesma coisa? Depois de pensar muito, concluiu que sim. A pequena penitenciária na qual estava preso ficava muito distante de São Paulo, e o pessoal que cuidava dela não era muito bem informado, não sabia das novidades. Por outro lado, sabão era coisa que ali não faltava. O diretor fazia questão de limpeza, e os presos tinham de lavar suas roupas com freqüência. Finalmente, e este foi um argumento decisivo, desde criança tinha paixão por modelar coisas. Era muito bom nisso, um verdadeiro artista, segundo a sua professora, e não teria a menor dificuldade de confeccionar um revólver de sabão.


A tarefa tomou-lhe vários dias, mas, quando finalmente a concluiu, não pôde deixar de sentir-se orgulhoso. O revólver era perfeito, enganaria qualquer um. Confiante, ele foi em frente. Imobilizou seus guardas, intimou-os a que o libertassem. Assustados, os dois conduziram-no pelo pátio em direção ao portão.


E aí, o imprevisto. Nervosos, os guardas não conseguiam abrir o portão, cuja fechadura aparentemente estava emperrada. Enquanto tentavam, começou a chover. Chuva torrencial. Ele ficou todo molhado. Ele e o revólver. Que, com a chuva, começou a se desfazer - o sabão, infelizmente, não era da melhor qualidade. Em cinco minutos ele estava desarmado. E foi levado de volta para a cela.


Continua lavando suas roupas, como o diretor exige. Mas só pode usar sabão líquido.


2. Resistir é preciso

A empregada doméstica Sirlei Dias Carvalho Pinto, 32, foi agredida por cinco jovens, moradores de condomínios de classe alta na Barra da Tijuca. Cotidiano


ESTE DEPOIMENTO eles não deram, mas poderiam ter dado: "Eram 4h30 da manhã, senhor delegado, quando avistamos aquela mulher, parada no ponto de ônibus. A madrugada nas cidades brasileiras é perigosa, senhor delegado, e o senhor sabe disso. Ficamos assustados. Éramos só cinco, não havia ninguém por perto que pudesse nos ajudar. O que fazer? Alguns queriam fugir, mas eu disse que não: mesmo cercados, deveríamos resistir, mostrar nossa coragem. A mulher bem podia ser uma dessas peritas em lutas marciais, capaz de nos liquidar com meia dúzia de golpes bem dados; mesmo assim, precisaríamos enfrentá-la, até para dar um exemplo à população. Fizemos rapidamente um pacto de honra e fomos ao encontro dela, dispostos a tudo.


Vencemos, senhor delegado. Como o senhor sabe, vencemos. Agora nos acusam de mil coisas. Mas é sempre assim, senhor delegado. Os vencedores provocam inveja. Inveja e violência, o senhor sabe disso, são duas pragas da sociedade brasileira. É por isso que este país não vai para a frente."


Folha de S. Paulo (SP) 2/7/2007