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Estranhas afinidades

 

Poderiam descobrir-se mutuamente, poderiam constatar que haviam sido feitos um para o outro


Casal se divorcia após descobrir que flertava pela internet. Um casal residente na cidade de Zenica, na Bósnia-Herzegóvina, estava com problemas no casamento. Por causa disto, os dois iniciaram contatos pela internet, e, sem saber de suas identidades, trocaram mensagens e acabaram se apaixonando. Quando a relação se tornou séria, decidiram se encontrar, e então descobriram quem eram. O casal decidiu se separar. Folha Online


QUANDO DESCOBRIRAM QUE, sem saber, estavam se correspondendo pela internet, ficaram, marido e mulher, surpresos, e chocados. Aquilo era algo mais que uma simples coincidência. Era um sinal. Um sinal de que alguma coisa, em ambos, estava profundamente errada. E esta coisa os levara, durante um tempo que não havia sido pequeno, a viver uma dupla existência. Daí as interrogações. Quem sou eu, perguntava-se ele.


Com razão. No cotidiano (não confundir com o nome deste caderno da Folha), ele era uma pessoa nervosa, irascível, de gestos bruscos. Relacionava-se mal com os amigos e conhecidos e costumava descarregar suas frustrações na esposa. Quem sou eu, perguntava-se ela.


Com razão. No cotidiano (não confundir com o nome deste caderno da Folha), ela era uma pessoa nervosa, irascível, de gestos bruscos. Relacionava-se mal com os amigos e conhecidos e costumava descarregar suas frustrações no marido.


Quem sou eu, perguntava-se ele. Com razão. Nas mensagens que enviava pela internet revelava-se, para sua própria surpresa, uma pessoa afetiva, dotada de rica imaginação e capaz de construir uma relação amorosa mesmo à distância, mesmo sem ver aquela a quem se dirigia. Um milagre da internet?


Talvez, mas ele suspeitava que a internet nada mais fizera do que liberar o seu lado bom, o seu lado positivo, o lado que amava a vida e que buscava compartilhar tais sentimentos com alguém. Quem sou eu, perguntava-se ela.


Com razão. Nas mensagens que enviava pela internet revelava-se, para sua própria surpresa, uma pessoa afetiva, dotada de rica imaginação e capaz de construir uma relação amorosa mesmo à distância, mesmo sem ver aquele a quem se dirigia. Um milagre da internet?


Talvez, mas ela suspeitava que a internet nada mais fizera do que liberar o seu lado bom, o seu lado positivo, o lado que amava a vida e que buscava compartilhar tais sentimentos com alguém.


Como é possível, indagava-se ele, inquieto, que eu tenha, por assim dizer, duas vidas? Como é possível que estas duas partes de mim sejam tão diferentes, tão incompatíveis?


O que eu poderia fazer para me tornar uma pessoa só? A quem deveria recorrer para isso? Como é possível, indagava-se ela, inquieta, que eu tenha, por assim dizer, duas vidas? Como é possível que estas duas partes de mim sejam tão diferentes, tão incompatíveis?


O que eu poderia fazer para me tornar uma pessoa só? A quem deveria recorrer para isso? Estas eram as perguntas que se faziam. Claro, poderiam fazer as mesmas perguntas um para o outro. Poderiam descobrir-se mutuamente, poderiam, quem sabe, constatar que, ao fim e ao cabo, haviam sido feitos um para o outro.


Mas um diálogo destes não é fácil. Preferem continuar na internet para ver se encontram o príncipe encantado, a princesa encantada.


Folha de S. Paulo (SP) 29/10/2007

Folha de S. Paulo (SP), 29/10/2007