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Esse nivelzinho

 

Logo depois do golpe de 1964, desde o primeiro momento em que ficou evidente que a mediocridade comia solta, metendo os pés pelas mãos e dizendo o que lhe dava na telha, Stanislaw Ponte Preta se deu conta da intensidade do fenômeno e começou a registrá-lo em suas crônicas. Depois, reuniu alguns dos mais notáveis exemplos em uma série de livros — os sucessivos volumes do “Festival de Besteiras que Assola o País”, o Febeapá. Na certa não imaginava que, após mais de meio século, ainda no mesmo atoleiro de bobajadas e derrapando sem sair do lugar, os brasileiros estaríamos de novo obrigados a conviver com outro tanto de tolices, em meio ao que acaba de ser classificado como um “show de besteiras”. Desta vez, o diagnóstico vem do respeitado general Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, ex-comandante de forças de paz da ONU no Haiti e no Congo.

Mesmo neste tempo de comediantes no poder em outros países e com a concorrência de estrelas como Trump em cenas internacionais, o Brasil é serio candidato a se consagrar como o maior espetáculo de besteiras da Terra. Basta ver a que nos reduzimos, perdendo tempo com tititi, intrigas, retrocessos, rompantes, tuítes primários e xingamentos que circulam no entorno presidencial. Ficamos nesse nivelzinho de coisa, como definiu Santos Cruz. Como se pudéssemos nos dar esse luxo num país com 13 milhões de desempregados, em que a desigualdade é escandalosa, a saúde pública é uma calamidade, mais de metade da população não tem acesso a saneamento, 40% dos jovens entre 15 e 17 anos estão fora do ensino médio, e a OCDE revela que a média salarial dos professores é a pior entre todos os países pesquisados. E enquanto o mundo se dá conta de que a ameaça climática é cada vez mais premente, escolhemos dar de ombros para o perigo de catástrofe. Como se negar o problema faça com que deixe de existir.

Festival ou show de besteiras? Classifique como quiser a irresponsabilidade que assola o país. Mas o Oscar da vergonha é nosso.

O Globo, 08/07/2019