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Esplendor e decadência da Grécia

 

Para provar que nada tenho contra os deuses gregos, aqui vai uma declaração de amor a todas as divindades, gregas ou não, pois nem só de grego vive um deus. Acontece que nem mesmo o meu piedoso amor salvou os deuses gregos de uma avacalhação generalizada, que pouco a pouco foi substituindo o temor e a poesia que envolviam tantas e tamanhas divindades.

Vejam o caso da dupla Afrodite-Vênus. Depois de ser cantada em prosa e verso, depois de ter dado o nome a um planeta e a uma camisa, depois de ter sido esculpida, pintada e adorada, hoje é simplesmente tolerada em nomenclaturas calhordas de coisas calhordas. Mesmo assim, até isso parece que vai acabar, pois com o advento dos antibióticos, em breve acabarão as doenças que levam o nome da grega Afrodite. Mas nem só de doença venérea vive uma deusa grega. O próprio nome grego, Afrodite, ainda serve para os afrodisíacos, assim como seu colega de Olimpo, Eros, serve para literatura erótica.

Mas não pensemos que os deuses gregos ficam limitados a problemas constrangedores do baixo ventre ou como preferem os médicos de Hugo Chávez, a problemas na "região pélvica", o que vem a dar no mesmo.

Os deuses gregos também servem para designar comportamentos que escapam do baixo e até do alto ventre. Embora romano, Baco tem na Grécia um doublé eficiente, Dionísio, e ambos geraram vocábulos excitantes, como dionisíaco e, sobretudo, bacanal.

E por falar em bacanal, há que se considerar a grossa bandalheira em que vivia o Olimpo, onde os deuses, não enquadrados nas tabelas funcionais do Dasp, nada tinham o que fazer a não ser consumir o tempo da eternidade. Daí que para consolar o tédio, nada como uma bacanal com direito a tudo ou uma orgia dionisíaca capaz de dar inveja ao Zé Celso Martinez Corrêa.

A dupla fescenina sabia fomentar adultérios, incestos, sodomias. Para consolar o tédio, nada como fomentar bacanais dionísiacos, naqueles bons tempos ainda não haviam inventado o fomento da agricultura Ovídio cantaria a idade de ouro onde o Ministério da própria nada teria a fazer. À falta do que fomentar, os deuses eram especializados em fomentar prevaricações, estupros, raptos de donzelas, não havia Código Civil nem o ministro Joaquim Barbosa para impedir a Olímpica farra.

E assim eram os deuses gregos, deuses de um povo forte em filosofia e nas artes.

Do outro lado de não sei qual mar, havia um povo que comia o pão que o diabo amassou ou estava amassando. Esse povo era monoteísta, acreditava num só Deus, e se julgava o povo eleito desse Deus. Apesar de povo eleito, vivia como escravo e habitava infectas cavernas, ora nos hórridos desertos, ora nas montanhas empedradas que nem água tinham. Mas esse povo eleito chamava suas cavernas e suas pedras de "terra da promissão". E alguns séculos mais tarde, esse Deus único, senhor dos Exércitos, Alfa e Omega, botaria no chinelo todos os deuses helênicos e romanos juntos.

Com a chegada do barbado Jeová por nossas bandas, acabou-se a farra. Esse Jeová era um moralista, convocou um camarada esperto para subir ao Sinai e antes que Nietzsche encontrasse um anacoreta na montanha, que orava, chorava e murmurava, Moisés desceu com duas tábuas da Lei, quentinhas, saídas do forno da sarça ardente.

É bem verdade que as duas tábuas não chegaram a estragar a brincadeira nem adiantava, Vênus, Baco e Dionísio não foram considerados "eméritos", continuaram no ofício. Não sei o que pensaria Júpiter, que seduziu suas filhas, irmãs, cunhada, que seduziu as mulheres de seus amigos e filhos, não sei o que pensaria Júpiter de nosso sexto e nono mandamentos. Mas nada como um dia depois do outro. Somente mais tarde, homens ímpios e impuros atacariam também este Jeová com emocionantes fogueiras contra ou a favor da Santa Causa.

Mas paremos com essa erudição haurida em almanaque. Daqui a dois meses o Carnaval vem aí, com suas gregas de grandes coxas, afrodescendentes e com a macia pele brilhando de suor, seus gregos de lábios pintados, efebos e faunos falsificados, mas dispostos a manter a tradição.

Foi no que deu a Grécia, feita as contas.

Folha de S. Paulo, 04/01/2013