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Entre escolhas e brigas

 

Uma das tarefas mais difíceis de um presidente é a luta diária para manter a coesão do governo. É de hoje e é de sempre. Briga de ministros é diária, com direito a notas para colunistas, onde a guerra se torna oculta e mais clara.


Agora o presidente enfrenta mais uma dificuldade: a escolha não de um, mais de oito auxiliares do primeiro escalão. Theodore Sorensen escreveu um livrinho que se tornou muito lido nos anos 60 e que se chama "Como se tomam as decisões na Casa Branca". É a história do estilo Kennedy de mandar levantar cérebros em todo o país para fazer um ministério de notáveis. A coisa complicou-se de tal modo que a lista foi abandonada no tumulto das últimas horas e a escolha se tornou a mais clássica de todas: compromissos políticos, conhecimento pessoal, além da influência dos lobbies fazedores de ministros. Para lembrar também outro fato da história americana, Lincoln, o grande presidente, quis inovar e convidou para ministros todos os candidatos que concorreram com ele. Terminou na Guerra da Secessão -por outros motivos, diga-se a verdade.


Uma das melhores histórias sobre o tema me foi contada por Adriano Moreira, extraordinário intelectual português, grande amigo do Brasil, com quem até hoje temos uma dívida impagável. Ele era ministro do Ultramar. Salazar, ao convidar um ministro, dizia-lhe: "Venha trabalhar comigo, mas já sabe, brigou com colega, demissão dos dois". E assim foi. Adriano, professor mais do que brilhante, entrou em atrito com o ministro da Educação numa discussão teórica sobre a criação da Faculdade de Psicologia, que Salazar chamava de "americanismo". Não houve propriamente briga, mas divergências. Qual não foi a surpresa de Adriano Moreira e do ministro da Educação, cujo nome não recordo, quando, de manhã cedo, logo depois da circulação dos jornais, chegou uma carta manuscrita do primeiro-ministro Salazar: "Agradeço a Vossa Excelência os serviços prestados a Portugal e concedo-lhe a demissão pedida". Na atual crise que tivemos no governo, ainda em ebulição, dizem que não esteve ausente um "fogo amigo", no "cai fora", "derruba derruba".


O presidente Castelo Branco tinha um ministro da Agricultura chamado Oscar Thompson Flores. O presidente, uma tarde, telefonou para seu gabinete, ainda no Rio de Janeiro, pois a capital não completara sua mudança, e perguntou pelo ministro. A secretária, sem maldade, disse: "Presidente, o ministro não está. Ele é paulista, não conhece o Rio de Janeiro e foi visitar o Pão de Açúcar e o Corcovado". O velho Castelo irritou-se.


Quarta-feira e o ministro da Agricultura no turismo. Chamou Luís Viana, chefe da Casa Civil, e disse-lhe: "Quando esse ministro voltar ao gabinete, encantado pela visão do Rio de Janeiro, ele já tem a primeira missão: entregar-lhe a carta de demissão". No dia seguinte, ele cobrou do Luís Viana: "A carta já chegou?". "Não." "Pois demita sem carta."


No Império, dom Pedro conta suas agruras com ministros nas anotações que fez num livro de Tito Franco, "Biografia do Conselheiro Furtado", e revela: "Não sei até que ponto lavra a desunião entre os ministros quando eles entendem que não devem permanecer unidos".


Mas eu não sei por que escrevi sobre ministros. Há desunião no ministério? Não sei nem ouvi falar. Eu queria mesmo era escrever sobre o astronauta coronel Marcos Pontes, que está na Soyuz e levou grande parte dos problemas das CPIs para o espaço.


 


Folha de S. Paulo (São Paulo) 07/04/2006

Folha de S. Paulo (São Paulo), 07/04/2006