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Do moralismo ao pós-mensalão

 

A grande maioria das cartas dos leitores dos diferentes jornais brasileiros e os posts nas redes sociais sobre o julgamento do mensalão exaltam Joaquim Barbosa e a condenação de José Dirceu. Ao mesmo tempo, nos Arcos da Lapa, uma enorme faixa acusa o STF de falta de provas, pela voz da CUT. Para onde vai a nossa democracia profunda, que supõe a independência dos ministros, diante desta intolerabilidade do dissenso, em que ecoa o tribunal como a voz assente da opinião pública e os jogos feitos da mídia? Inquietam as fotografias do ministro Lewandowski, no dia das eleições, impossibilitado de ir à rua pela agressão dos populares, nesse escorraço do voto diferente da expectativa geral. Tal vem de par com esta instantânea elevação de Joaquim Barbosa a um novo mito nacional, juntando-se à sentença da dita recuperação da moralidade pública o tê-lo feito o membro negro da Corte, na afirmação definitiva da nossa democracia racial.

Inquieta, nas reações ao veredictum de Dirceu, este começo de divisão de classes, como fruto, inclusive, do nosso desenvolvimento, e de uma clara confrontação de consciência do Brasil do status quo e da força crescente da classe média, que assimila os seus valores ao "país bem". Contrapõe-se-lhe esta enorme população saída da marginalidade e, de vez, chegada à economia de mercado pelo avanço do Bolsa Família, e que exprime a sua identidade como o "povo de Lula".

Tem toda a razão o ex-presidente quando afirma que este Brasil não se sensibilizou ao mensalão, e olha direto o futuro e a certeza de suas melhorias sociais. Mais ainda, nesta "toma de consciência" irreversível, supera os partidos e se guarda intacto para uma nova mobilização, tanto seja, de novo, chamado a um voto-opção, tão diferente do que pede o horizonte municipal das questiúnculas irreversíveis dos patriarcados familiares, das lutas clânicas e, via de regra, da estreiteza de suas vinditas. Dela se destaca o eleitorado das megalópoles ou do grande Brasil urbano, em que foi à vitória, ou vão, expressivamente, ao segundo turno os candidatos preferidos do ex-presidente.

Neste quadro, o antagonismo na recepção do veredicto de José Dirceu não escapará do condoimento, ou da execração, no imaginar-se o ex-ministro entre as grades. Confrontará o "dura lex, sed lex" a expectativa tão própria à nossa cultura, das anistias ou das penalidades simbólicas. O novo rigorismo da classe média, no acordar súbito, já, de uma quase desmemória com os incidentes temporões do mensalão, não vai sair da sua zona de conforto para o protesto por uma lembrança miniaturizada pelo país de Lula e Dilma.

Jornal do Commercio (RJ), 23/11/2012