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Divisão de sílabas em fonética e em ortografia

 

Temos hoje um leitor interessado em saber como deve fazer a separação silábica das palavras que antes eram consideradas paroxítonas terminadas em ditongo crescente. Sirva de exemplo a palavra 'náusea', que pode ter suas sílabas divididas em duas: náu-sea, ou em três: náu-se-a, bem como 'etéreo', em três:e-té-reo ou e-té-re-o, em quatro.

Começamos por lembrar que ditongo é o encontro de uma vogal e uma semivogal proferidas numa só sílaba. Antigamente diziam as gramáticas ser o ditongo o encontro de duas vogais proferidas numa só sílaba. Com a precisão do conhecimento de vogal (porque, sendo vogal o ápice ou ponto culminante da sílaba, em cada sílaba só haverá uma única vogal; a outra “vogal” que acompanha a vogal se chamará semivogal), ditongo será, como já dissemos, encontro de vogal e semivogal na mesma sílaba. As semivogais estão representadas na escrita, conforme a regra ortográfica, por i/e e u/o: pai,mãe,pau e pão.   

Quando o ditongo é crescente ,primeiro vem a semivogal e depois a vogal: ‘ia’ (diabo),‘ie’ aberto (dieta), ‘io’ aberto (miolos), ‘iu’ (miudeza),‘ue’ aberto (suéter, sueco), ‘ua’ (dual), ‘ue’ fechado(poema), ‘oi’ (moinho). Note-se que, ao proferir esses ditongos, há aumento da abertura bucal na vogal. Diz-se que o ditongo é decrescente, quando começa  pela vogal: ‘ai’ (pai),‘ei’, com ‘e’ aberto (papéis, ideia), ‘ei’ com‘e’ fechado (rei, feira), ‘oi’, com ‘o’ aberto (rói, heroico), ‘oi’ com ‘o’ fechado (boi, noiva), ‘ui’ (fui), ‘au’ (pau), ‘eu’ com ‘e’ aberto(céu), ‘iu’ (viu), ‘ou’ (vou), ‘ai’ nasal (mãe), ‘oi’ nasal (põe),‘ui’ nasal (muito), ‘ão’ nasal, escrito ‘ão’ e ‘am’ (pão, cantaram). Note-se que a semivogal ‘i’, quando nasal, se grafa com‘e’: mãe, põe.     

O questionamento do nosso leitor (náu-sea ou náuse-a?, e-té-reo ou e-té-re-o?)se explica porque nos ditongos crescentes é indecisa e variável a pronúncia que se imprime à semivogal, fenômeno de que resulta a dupla possibilidade de se articular a sequência vocálica tanto como ditongo crescente (náu-sea, e-té-reo) quanto como hiato(náu-se-a, e-té-re-o), conforme a rapidez (no primeiro caso) ou a lentidão (no segundo caso) com que se pronunciam tais vocábulos.

Recordemos que se chama hiato a sequência de duas vogais em sílabas diferentes:sa-ú-de, sa-í-da. Pronúncias ditongadas como náu-sea e e-té-reo são mais comuns no falar rápido dos portugueses de hoje; entre brasileiros, que falamos mais claro e pausadamente (Eça de Queirós dizia que o português do Brasil era o português com açúcar),o ditongo é menos sentido, em favor do hiato. Na leitura de poemas de versos que se sucedem com o mesmo número de sílabas (isossilábicos) podemos verificar que uma mesma palavra proferida com mais rapidez ou lentidão pode ter o seu conjunto silábico lido como ditongo ou como hiato. É célebre o exemplo da palavra ‘saudade’ lida primeiro com três sílabas e depois com quatro, logo no início do poema “Camões”, do poeta português Almeida Garrett (leia-se / garretee/).  
    

Em sistemas ortográficos anteriores a 1971 facultava-se o emprego do trema em palavras como saüdade e vaïdade, usadas em poesia para indicar a leitura delas com quatro sílabas métricas. Até aqui vinhamos falando de fenômenos fonéticos, em que vocábulos como náusea e etéreo podiam ter pronúncias diferentes.Todavia quando  passamos para as normas ortográficas, mudam-se os critérios, porque por eles não se podem separar as vogais dos ditongos crescentes ou decrescentes, bem como dos tritongos; portanto, pelos critérios ortográficos, só podemos separar assim as sílabas  náu-sea e e-té-reo. Está claro que, numa análise fonéticofonológica de um poema em que apareça a palavra saudade com três ou quatro sílabas, separa-se foneticamente sau-da-de e sa-u-da-de, mas não na transcrição ortográfica do poema. Atente-se para a divisão ortográfica de pas-so e cor-ri-da, que não corresponde à análise dos fonemas de passo e corrida, em que 'ss' e 'rr' são grafias  de um só fonema.

O Dia (RJ), 15/5/2011