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A dimensão de um poeta

 

Poucos escritores podem representar hoje o que foi e o que é a literatura brasileira dos últimos 60 anos como esse ínclito dominador da palavra chamado Lêdo Ivo. Dono de uma poesia dele, só dele, com versos de ásperas e desprotegidas verdades sobre cada um de nós e uma prosa aliciante e límpida tanto em narrativas como em crônicas, vem Lêdo Ivo, desde o começo dos anos 40 do século passado, erguendo uma obra que o coloca no plano central das Letras do País.


Lembro-me de 1945, ano em que o autor destas linhas e um grupo de oito poetas jovens lançamos o Grupo Malraux e montamos uma exposição, que chamamos de "a primeira do mundo" - de poemas escritos em letras grandes sobre telas, como se quadros fossem, emoldurados e pendurados na sala de exposições da Escola Nacional de Artes, então parte do Museu Nacional. Jorge de Lima e Carlos Drummond de Andrade foram ver a exposição, o que muito nos alegrou e honrou. No dia da inauguração alguém apareceu com um suplemento literário que apresentava um poema - "Adriana" - de um poeta desconhecido chamado Lêdo Ivo.


Foi um impacto. E um espanto. Ali estavam os versos de um autor, ainda próximo da meninice, que nos vinha dizer o que era a nova poesia. Desde então, não mais deixaria ele a posição de vanguarda em nossa literatura, com livros sobre livros, conduzindo a poesia brasileira ao nível de excelência em que a temos hoje.


Sessenta e dois anos depois dessa estréia, surge um livro que mostra o poeta Lêdo Ivo na sua dimensão verdadeira de intérprete de um tempo e de um povo. Seu autor, Assis Brasil, além de romancista de vanguarda (conquistou dois prêmios Walmap), é responsável por uma vasta bibliografia em que analisa nossas peculiaridades regionais no fazer poesia tanto quanto na avaliação do verso brasileiro como linguagem normal do homem diante do que vê e do que pensa.


Quanto ao livro "A noite misteriosa", um dos mais reveladores do universo poético de Lêdo, diz Assis Brasil: "Saliente-se que o poeta não celebra apenas a noite planetária ou a noite dos poetas metafísicos, que interrogam o absoluto. A sua noite misteriosa é também a noite do inconsciente, do espaço escuro onde se elaboram os poemas e as experiências acumuladas se convertem em linguagem. E ainda a noite escura dos poetas místicos".


Cite-se Baudelaire: "Para adivinhar a alma de um poeta, procuremos em sua obra qual a palavra ou quais as palavras que nela figuram com maior freqüência". Eis o levantamento feito por Assis Brasil nos poemas de Lêdo: farol, navio, vento, caramujo, água, mar, chuva, trapiche, alfândega, morcego, tanajura, que integram a evocação de seu lugar de nascimento. Outras palavras freqüentes na sua obra em geral: noite, dia, fogueira, tempo, eternidade, pássaro, estrela, Sol, relâmpago, constelação, sonho, morte.


Mas Lêdo Ivo quis ir além da palavra. De que maneira? Vindo aquém. O aquém na palavra é a sílaba, o som puro e único. E Assis Brasil comenta a declaração de Lêdo Ivo de que "poesia se faz com sílabas - com as sílabas encantatórias que formam a palavra e, por extensão, a linguagem".


Completando esta análise de mestre feita por Assis Brasil, chamo a atenção para o livro "Plenilúnio" em que a poesia de Lêdo Ivo representa integralmente essa ligação visceral do poeta com a vida, raríssima em qualquer poesia. Mostra aí Lêdo a feroz originalidade que marca sua obra.


A trajetória poética de Lêdo Ivo: transgressão e modernidade, de Assis Brasil, é livro de leitura obrigatória. Lançamento da Educam. Coordenação editorial de Hamilton Guimarães Neto. Capa de Paulo Verardo sobre projeto de Sérgio Guerini e foto de Gonçalo Ivo: Lêdo Ivo no jardim da casa-museu de Mallarmé, em Valvins, Vuleines-sur-Seine, 2005.


Tribuna da Imprensa (RJ) 17/4/2007