Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Dia de Reis e El Bosco

Dia de Reis e El Bosco

 
As festas do Natal, na minha infância, acabavam de fato no Dia de Reis, 6 de janeiro, com a queimação das palhinhas - que começava com uma ladainha e seguia com o ritual de jogar as palhas no fogareiro. Continuo ouvindo seus sons, que me parecem hoje, com meus ouvidos nostálgicos dos anos, como se fossem cantigas de anjos: “Vamos queimar as palhinhas…”, e a despedida - “ATÉ PARA O ANO / SE DEUS QUISER…”
 
E os papeis de reis, rendados, com formas de flores, a circular entre as casas pedindo presente e o portador a recitar: “Dar reis não é vergonha / vergonha é não pagar / um coração como o seu / a mim não pode negar.”
 
Os Reis Magos são um mistério. Seus nomes não aparecem nos textos evangélicos. São Mateus conta a visita a Herodes, perguntando pelo rei que acabara de nascer, e que, guiados por uma estrela, vão à casa onde estava o Menino para reverenciá-Lo e prudentemente não voltam a Jerusalém. É muito depois, já na Idade Média, que começa a devoção a estes reis e a associá-la à festa da Epifania. Esta, a antiga festa da Luz, que encerra no ano litúrgico o tempo do Natal, é a celebração da manifestação de Jesus, com os Reis Magos simbolizando os gentios.
 
Pela graça de Deus, sou levado por constante e obsessivo desejo de visitar museus. Foi assim que, no fantástico Museu do Prado, em Madri, me deparei com a magnífica obra de Bosch, o notável pintor holandês, em seu estilo sem comparação alguma, totalmente pessoal, e me extasiei diante do seu tríptico “ADORAÇÃO DOS MAGOS”, ali, em minha frente, com a apresentação do Menino Jesus por Nossa Senhora àqueles “magos do Oriente”, expressão de São Mateus, trazendo ouro, incenso e mirra para oferecer ao Deus Menino. O autor do quadro é Jheronimus Van Aken, que assinava sua pintura Bosch, nome de sua cidade, e na Espanha - onde em 2016 foi feita uma grande exposição comemorativa dos 500 anos de sua morte -, chamado de El Bosco.
 
Ali estava, numa riqueza incomparável de detalhes, um Menino Jesus, pequeno e magro, sentado, na pureza de sua nudez, no colo de sua mãe, sendo apresentado aos reis que diante dele se prostravam. A manjedoura é uma casa desmoronada de taipa, onde figuras curiosas aparecem de todo lado para ver a Deus. Até o burrinho está na janela. Diante do céu azul, uma cidade belíssima de torres e palácios, perdida ao fundo da paisagem, cujo verde se torna dourado, cor que El Bosco não usava.
 
Dos Reis, é impressionante e dominante, monumental mesma, a figura de Baltazar, um belo rei negro, jovem, com a taça de mirra à mão, a tampa decorada com um pássaro, belíssimo, mistura de ave e anjo. Vestido de branco, a renda de sua túnica é de uma beleza de detalhes extraordinária. Quando vi o quadro do El Bosco passei a venerar os Reis Magos, na santidade de sua história, porque a genialidade daquela pintura foi, como o Evangelho, inspirada por Deus.
 
Agradeci-Lhe, lembrando desde a minha infância com a brincadeira do Reisado em S. Bento até a contemplação do gênio que pintou a Adoração dos Magos.
O Estado do Maranhão, 05/01/2019