Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > De Tiananmen a Wall Street

De Tiananmen a Wall Street

 

O movimento "Ocupemos Wall Street OWS" não é um espasmo cívico, de dias ou semanas, mas um protesto continuado, como reação de fundo ao abuso de riqueza e dominação dos senhores da economia privada americana. Aflorou na dita Praça da Liberdade -antigo parque Zuccotti -, ao lado das sedes do império financeiro, para uma longa resistência. Não há que confiar, apenas, numa onda de rejeição a Wall Street que volte à normalidade nas calçadas de Manhattan. É o que marca a logística da criação de cozinhas, de zonas de conforto e acampamentos sólidos. O OWS não é o resultado de um grupo conhecido de radicais, mas da confluência de vários inconformados de muitas áreas do país. Manteve, todos os dias, uma assembleia geral no debate das diferenças na visão da crise. Avulta o balanço do crescente desemprego, no depoimento das suas vítimas. E, sobretudo, o seu contraste com o que deveria ser o desenvolvimento social, frente ao volume do auxílio bancário pela presidência Obama.
 
O dia a dia da Praça da Liberdade deparam marchas, estandartes e bandeiras recém-chegadas, em desfiles quase litúrgicos. Nada de comum com o estardalhaço do protesto clássico americano. O movimento não se ilude sobre o longo prazo, e superou o receio de uma repressão policial, temida nas primeiras horas. E o OWS difere das praças espanholas na persistência e no cometimento ético, matriz da fundação do próprio Estado americano. Reflete a determinação dos "pilgrims", como é impacto que apenas começa; o da consciência da imoralidade do sistema capitalista, chegado à opinião pública pela contundência da atual crise. Põe em causa, o que domina, hoje, todo o debate universitário: a colisão entre a ética e a economia, anestesiada pela visão do progresso como o viu o sistema ocidental. Pela primeira vez, a noção de abuso econômico começa a permear o país, como responsável pela desestabilização do regime, após a trintena única de prosperidade da virada do século. Um ganho demasiado passa a infringir os pressupostos da competição nunca antes posta em causa pela expansão da riqueza americana.

O OWS enfrentará uma guerra sem tréguas para avançar, nestas exigências de justiça social trazidas tardiamente ao próprio seio do modelo. Veio, afinal, a expulsão do Parque Zuccotti, mas tão só para que proliferassem em torno de Wall Street e, junto às pontes próximas, novos focos de luta. E as trincheiras em Manhattan não são as dos protestos da Praça de Tiananmen nem da Porta do Sol.

Jornal do Commercio (RJ), 25/11/2011