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De pé sobre a pedra do mar

 

"Além das noçoes do malfeito a benfeito, existe uma ravina. Encontro você lá", escreveu o poeta Jelaluddin Rumi, no século XIII, como epígrafe do admirável "Silêncio das Montanhas", de Khaleb Hosseini.

Vivemos entre abismos, ou às vezes nem eles nos reconhecem. Ou para que nos reconheçam, há que ter também abismo dentro, como possível varanda de poça

Mas quero, leitor, encontrar-te na montanha, contemplando o horizonte. E que a bem-aventurança do vento te alcance e que em tomo, a relva reverdeça. Então, te encontro ali.

As coisas são o que sonhamos e
nos acontecem de tanto sonharmos. As vezes, apenas um além para que imaginemos. E as coisas ou são mágicas, ou perderam o mistério. E é sonho de tanto querermos, que depois nos quer.

Há uma inevitável atração no universo, que não pode ser desdenhada. Quando nesta República honramos progresso com ordem, a paz com a transparência, é ali, leitor, que nos encontraremos. É quando os pássaros tiverem onde pousar em nós e o mar se recolher como um cão na coleira de espuma, sob o clarão do tempo nos encontraremos ali.

Talvez as palavras nas surpreendam sempre, como as marés se avizinham da infância. E se as gastei, que se reproduzam como peixes e nos encontraremos ali.

E para Rumi, poeta, a ravina é áspera, pode ser pedregosa. Quero o melhor para os leitores e meu pova E nosso encontro é agora na palavra, que tem acesso às estrelas, perto de Letícia, a Nuvem, que não deixa de acompanhar-me.

E o bem-te-vi em cima da forquilha do eucalipto, cantando, me observa. Talvez empenhado em compreender as ambições dos homens. Ou se recolhe, depois, ao seu ninho, perplexo.
 
William Blake escreveu sobre o mágico esplendor do alto da montanha. Talvez por haver sentido também a necessidade desse privilegiado espaça E Oswald de Andrade que dizia que “a morte só destrói os medíocres” e apreciava as frases de efeito, afiançou, com justeza que “não nascemos para saber. Nascemos para acreditar”. E acreditamos.

Sou grato pela alegria de aqui estar. E é na luz que somos livres, só na verdade da luz. Apesar da aparente escuridão. E quem, fielmente, compra a verdade, não a vende.

Falou Voltaire, que sabia do mundo, “ que a felicidade é a única coisa que podemos dar sem possuir”. E Guimarães Rosa afiança que “a felicidade se dá em horinhas de descuido”. Porque o descuido vem, sem nos apossarmos dele. Pega-nos desprevenido, pega-nos em ponta de alma.

Existe uma montanha e ali nos encontraremos.Na montanha, como disse Charles De Gaulle, “não há engarrafamento de trânsito”, nem trânsito de engarrafamento. Como se alguém segurasse os relógios e os ponteiros, tudo há de parar, sem se mexerem as horas. E a felicidade não carece de estar escondida sob o ramo verde de uma árvore, como achou Tolstoi na infância.

E a paz virá, a calmaria depois da tempestade. E a felicidade que nos resta, leitores, é estarmos juntos, de pé sobre a pedra do mar.

A Tribuna (ES), 24/09/2017