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Dá para ensinar a escrever?

 

"O que faz de alguém escritor ou escritora? É a vocação? É o meio familiar? É a circunstância histórica?"


 


O jovem poeta gaúcho Fabrício Carpinejar tem a poesia no genoma. Filho dos poetas Carlos Nejar e Maria Carpi (observem como ele acoplou os sobrenomes), possui o talento dos pais. E é também um espírito inquieto, sempre pronto a inovar na área da cultura. Recentemente, uma iniciativa de Carpinejar gerou uma polêmica que se propagou pelo país. Ele criou, na Universidade do Rio dos Sinos (Unisinos), grande e antiga instituição universitária gaúcha, um novo curso. Que se chama – e aí está o motivo maior da discussão – Curso de Formação de Escritores.


 


Sistematizar a iniciação de pessoas, sobretudo jovens, ao ofício literário não é coisa nova. Escrever é uma prática solitária (um vício solitário, diriam pais mais severos), mas isto não impede que os aprendizes de escritores procurem partilhar sua experiência entre si ou que procurem a orientação de alguém com mais idade e mais tarimba. Daí os grupos que, dependendo do sucesso alcançado, podem se transformar em escolas ou movimentos literários. Nos Estados Unidos, onde o espírito prático predomina, surgiu a idéia de fazer isso de forma sistematizada, em geral no âmbito de uma universidade: são os workshops ou oficinas de criação literária. Não há propriamente uma atividade curricular, codificada; as pessoas trazem seus trabalhos e discutem-nos no grupo, sob orientação de um professor ou escritor mais experiente (o que, entre parênteses, pode ser uma fonte de renda num ofício em que ganhar a vida não é exatamente coisa fácil).


 


O workshop não é uma unanimidade. Não falta quem diga que este tipo de exercício literário acaba padronizando, e até pasteurizando, a forma literária. Em outras palavras, o workshop seria o MacDonald’s ou a linha de montagem da literatura.


 


Argumentos em contrário também existem. No mínimo, dizem aqueles que defendem o workshop ou oficina, o trabalho em grupo resulta num apoio psicológico, sempre necessário em uma atividade na qual a insegurança é a regra. E sempre se podem aprender coisas relacionadas, sobretudo, à técnica literária.


 


Até aí tudo bem; à luz desse raciocínio, o curso da Unisinos provavelmente nem chamaria muito a atenção. O que provocou debate – um debate relativamente amplo, com artigos em grandes jornais e revistas – foi a palavra “formação”. Dá para formar escritores, muita gente perguntou, até com certa ironia. Dá, responderam os defensores do curso. E argumentavam: se é possível formar músicos e artistas plásticos, em escolas de belas artes, por que não escritores?


 


A questão remete a uma dúvida mais profunda. O que faz de alguém um escritor ou escritora? É a vocação? É o meio familiar? É a circunstância histórica? Não sabemos, pela simples razão de que não podemos quantificar, em qualquer escritor, quanto de seu talento é inato e quanto é adquirido. Os organizadores de oficinas costumam dizer que seu objetivo não é criar escritores, mas sim ajudar e instrumentalizar pessoas que já escrevem. Independentemente da palavra “formação”, é isso que fará o curso da Unisinos. E, a julgar pelas atividades já desenvolvidas, fará bem.


 


O que há num nome, pergunta Shakespeare, e acrescenta: a rosa seria uma rosa, ainda que sob outra denominação. Mas palavras muitas vezes têm conotações e, nesse caso, foi o que aconteceu com “formação”. Isso talvez seja a primeira lição que os participantes do curso dele podem extrair. Escritor é um cara que valoriza palavras, que procura usá-las bem, tanto no sentido estético como para a transmissão de idéias. A literatura, ao fim e ao cabo, é formada de palavras – e do eco emocional que elas despertam, inclusive quando anunciam um curso de formação de escritores.


 


Correio Braziliense (Brasília) 01/09/2006

Correio Braziliense (Brasília), 01/09/2006