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Contra a pirataria

 

Dupla assalta joalheria e escolhe marcas de relógio para levar. Um dos ladrões abordou uma vendedora de uma joalheria que inspecionava a vitrine; o assaltante levantou sua blusa, mostrando uma arma à vendedora. Dentro da loja, outras vendedoras foram rendidas e obrigadas a recolher relógios das marcas Breitling, Omega e Mont Blanc da vitrine.

Folha Online, 18 de outubro de 2005 


Os dois assaltantes, um alto e robusto, outro baixo e magrinho, eram experientes e organizados. Sabiam exatamente as marcas de relógio que queriam; coisa fina, nada de despertadores baratos. Examinavam cada relógio que era trazido da vitrine pelas vendedoras, antes de colocá-los numa valise. Lá pelas tantas surgiu um problema. Olhando um caríssimo relógio Breitling, o alto e robusto, que aparentemente era o chefe, teve uma súbita suspeição:


- Acho que este aqui é falso.


Mostrou ao colega, que ficou em dúvida: podia ser falso ou não. Na dúvida chamaram a vendedora-chefe. Que ficou indignada:


- Falso, em nossa relojoaria? A loja mais famosa da cidade? Uma loja que está há 30 anos no ramo, que tem clientes famosos? Ora, façam-me o favor, amigos. Assalto, sim; ofensa, não. Levem tudo, mas nos respeitem.


Os assaltantes não se deixaram impressionar pela retórica. Afinal, como disse o baixinho, a pirataria campeava. Se CDs eram pirateados, por que não relógios, mercadoria mais valiosa e cobiçada? Queriam provas de que o Breitling era verdadeiro. A vendedora-chefe pediu licença, foi até o escritório e voltou com um documento escrito em inglês. - O que é isto, perguntou o alto.


- É um certificado de autenticidade. Acompanha o relógio.


Os dois miraram o papel com desconfiança. Não sabiam inglês; além disso, quem lhes garantia que o certificado de autenticidade era autêntico, e não uma falsificação? Resolveram convocar o dono da relojoaria para esclarecer a questão. A vendedora-chefe resistiu o quanto pôde, mas, com um revólver encostado no crânio, não teve outro jeito: ligou para o dono, que aliás morava ali perto, pediu que viesse para atender "dois clientes muito importantes". Vinte minutos depois o homem chegava, esbaforido. Apesar da visível perturbação das vendedoras, não desconfiou de nada, mesmo porque os assaltantes, bem vestidos, e com as armas agora ocultas, pareciam mesmo clientes, e clientes muito cordiais.


- Eu tenho este relógio Breitling -disse o alto- que estou pretendendo trocar. Queria sua valiosa opinião: é falso ou verdadeiro?


Para o dono da loja, um veterano no ramo, bastou um olhar: é falso, proclamou. E aí mostrou o relógio que tinha no pulso:


- Este, sim, é verdadeiro.


Escusado dizer que os assaltantes levaram o Breitling verdadeiro. E o fizeram com absoluta tranqüilidade. Deve-se confiar na palavra de quem entende do assunto.




Folha de São Paulo (São Paulo) 24/10/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 24/10/2005