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Condor: uma busca inútil

 

O editor do segundo caderno encomendara ao repórter uma pesquisa sobre os golfinhos da baía de Guanabara, golfinhos que constam do escudo oficial da cidade do Rio de Janeiro, mas ausentes, há mais de um século, das águas que a cercam. 

Não podia haver matéria mais estranha ao seu gosto e ao seu conhecimento, mesmo assim ele fez o que pôde, entregou-a dentro do prazo, recebeu o cachê quase simbólico e nunca viu a matéria publicada. 

A moça afastou a pilha de jornais velhos de uma poltrona desbotada, olhou mais e melhor aquilo tudo, que era o que restava dele, do homem que respeitara e, acima de tudo, admirara. Daquela confusão, destacava-se um recorte do jornal "New York Post", sobre o assassinato de alguns líderes políticos que faziam oposição ao regime militar instaurado em alguns países do Cone Sul da América Latina. Tudo era feito para proteger o mundo livre. 

Pelo que conhecia de textos esparsos que o repórter lhe dava para ler, ela sabia que havia uma ordem infernal naquele delírio a que se entregara, como se buscasse o elixir da imortalidade, a espada de Excalibur, o Santo Graal da Távola Redonda. 

A moça sentia remorso por não ter levado o assunto a sério, na verdade admirara e respeitara o homem que lutava para continuar sendo o que era, mas sem entrar no mérito de sua causa. Se o mundo foi contra ele, ele foi contra o mundo era o que sempre dizia, já nos momentos de exaltação provocados pela doença que o mataria. 

Havia anotações esparsas na pequena mesa em que todas as noites comiam uma pizza. Havia uma palavra comum em quase todos os recortes: "Condor". O repórter morreu seguindo uma pista que nada tinha a ver com os golfinhos da Guanabara. Antes, fora demitido. Em sua missa de sétimo dia só havia uma pessoa: ela.

Folha de S. Paulo (RJ), 19/04/2015