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Como fornecer passaporte a um guilhotinado

 

Exija as fotos regulamentares; o fato de a cabeça estar separada do corpo não impede que ela seja fotografada


Se você é jubilado ou guilhotinado e quer tirar um passaporte, não se alarme. Essas "profissões" estão listadas no formulário on-line para obtenção do documento. Trata-se de erros técnicos que segundo informação da Polícia Federal já estão sendo corrigidos. Folha Online, 27 de maio


CLARO, TRATA-SE de um equívoco, mas imagine que você tivesse, mesmo, de dar um passaporte a um guilhotinado. Como fazê-lo? Aqui estão algumas recomendações que o doutor Guillotin, inventor do famoso instrumento, sem dúvida endossaria:


1) Trate o candidato com polidez e exija que ele o trate da mesma forma. Guilhotinados muitas vezes não falam, mas fazem gestos ou escrevem aquilo que querem dizer. Nestas circunstâncias, a linguagem deve ser urbana, correta, como se espera daquele que pleiteia um documento tão importante.


Se termos agressivos forem usados, repreenda-o. "Desculpe, perdi a cabeça" não serve de escusa. Muitos guilhotinados conservaram as boas maneiras até o fim.


2) Inversamente, desconfie de cabeças guilhotinadas que sorriem. Esse sorriso, assim como a polidez excessiva, pode ser apenas o disfarce para alguma malandragem.


3) Exija as fotos regulamentares. O fato de a cabeça estar separada do corpo não impede que ela seja fotografada. As técnicas de photoshop hoje permitem que a foto da cabeça e a do corpo sejam devidamente combinadas para se obter um retrato conveniente do candidato a passaporte.


4) Procure saber a razão pela qual o candidato a passaporte foi guilhotinado. Alguns deles contarão uma história comovente: "Isto aconteceu durante a Revolução Francesa. Eu era um fiel adepto do rei Luís 16.


Quando o pobre monarca foi guilhotinado, senti-me na obrigação de seguir o seu caminho. Apresentei-me ao Conselho Revolucionário, falei com Danton, Marat, Robespierre. A princípio alegaram que nada tinham contra mim, mas, comovidos com minha fidelidade, decidiram atender o meu pedido e me guilhotinaram. Desde então vagueio pelo mundo com a cabeça debaixo do braço.


Vim parar no Brasil não sei como, mas agora decidi voltar à França -para comemorar os 40 anos de 1968- e por isso preciso de um passaporte".


5) Verifique cuidadosamente se a cabeça pertence ao corpo. Sabe-se que muitos guilhotinados têm feito intercâmbio de cabeças e corpos visando enganar as autoridades. Uma cabeça de mulher, por exemplo, nada tem a ver com um corpo de homem, mesmo que o candidato invoque o seu "lado feminino" como explicação. Desconfie também do guilhotinado que se apresentar com duas cabeças. Ele pode alegar que se trata de uma anomalia congênita, tão rara que teria até exigido guilhotina especial; o mais provável, contudo, é que se trate de uma tentativa de contrabando de cabeças. No passado, usava-se a expressão "fuga de cérebros" para designar o fenômeno pelo qual cientistas se dirigiam a países ricos para melhorar sua renda. A "fuga de cérebros" pode ter se transformado em "fuga de cabeças". Cuidado.


6) Não pergunte para onde o guilhotinado se dirige. Esse é um destino que provavelmente só será decidido no juízo final.


Folha de S. Paulo (SP) 2/6/2008