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Centenário de Neruda

 

Poeta nascido no Chile, a 12 de julho de 1904, está a memória de Pablo Neruda sendo lembrada, esta semana, em toda a América. Poucas vezes conseguiu um poeta representar um Continente inteiro e tornar-se, no resto do mundo, o apóstolo de um movimento poético posto a serviço das mais generosas aspirações de um tempo.


Desde que seus "Vinte poemas de amor e uma canção desesperada" se tornaram conhecidos (em 1936), o nome de Neruda se transformou no símbolo de uma nova poesia lírica. Sua ligação com o Brasil começou em 1945, já que, antes dessa data, estávamos sob o regime do Estado Novo, e sua viagem de então, ao Rio de Janeiro e a São Paulo, coincidia com o início de uma fase democrática da política brasileira.


Na ocasião, foi Neruda recebido, em sessão especial, pela Academia Brasileira de Letras, onde Manuel Bandeira o saudou. Compareceu, em seguida, ao Comício do Pacaembu, em que Luis Carlos Prestes, depois de 10 anos de cárcere, falava em público pela primeira vez. Neruda apresentou-o com versos que diziam: "Peço hoje um grande silêncio de vulcões e rios./ Um grande silêncio peço de terras e varões./ Peço silêncio à América da neve ao pampa./ Silêncio: Com a palavra, o Capitão do povo./ Silêncio: Que o Brasil falará por sua boca."


Pode-se fazer uma comparação entre dois grandes da literatura das Américas e de todo o Século XX. Foram Pablo Neruda (1904-1973) e Jorge Amado (1912-2001). Amigos e companheiros de idéias, viajaram juntos por grande parte do mundo. Uma dessas viagens começou na Europa Ocidental, atravessou a União Soviética, mergulhou na Mongólia e foi até a China. Tanto Jorge Amado e Zélia como Neruda deixaram escritos sobre essa caminhada, publicados na época.


No seu livro "Pelas praias do mundo", escreveu Neruda: "Sob a luz perfurante, percorro com Jorge Amado os retorcidos becos de Salvador. Subimos ao avião saturados pelo cítrico aroma da Bahia, da emanação marítima, do fervor estudantil. Deixamos lá em baixo, na pista do aeroporto, os Amado: o robusto Jorge, a sempre doce Zélia, Paloma e João: minha família no Brasil."


Vale a pena que se realce a figura brasileira que foi o herói tanto de Jorge Amado como de Neruda: Castro Alves. Na peça de teatro "O amor do soldado", Jorge botou no palco Rui Barbosa, Fagundes Varela, Tobias Barreto, Maciel Pinheiro, mas o herói da história era Castro Alves. Numa sala em que se discutia e promovia a Abolição, o poeta recebia e protegia grupos de escravos que haviam fugido.


Nas paredes da sala, retratos de Victor Hugo, Byron, Roberspierre, Marat. O amor de Eugênia Câmara inspirava Castro Alves que, entre lírico e heróico, se preparava para deixar, em seus versos, um longo e permanente cântico à liberdade, e Jorge Amado cita os quatro versos do poeta: "A praça, a praça é do povo:/ Como o céu é do condor;/ É antro em que a liberdade/ Cria águias em seu calor!"


Também Pablo Neruda, diante dos poemas de Castro Alves que até hoje nos fazem existir, nele se inspirou para criar belos versos de seu "Canto General". A parte XXIX desse longo poema é dedicada ao poeta baiano. Exclama Neruda:


"Castro Alves do Brasil, para quem cantaste?

Cantaste para a flor? Para a água

Cuja formosura diz palavras às pedras?

Cantaste para os olhos, para o perfil alado

Daquela a quem então amavas? Para a Primavera?"


E o próprio Neruda assume o lugar de Castro Alves e responde: "Cantei para os escravos", "Cantei naqueles dias contra o inferno", "Cantei contra a mão que empunhava o látego, Contra os donos das trevas", "Cada rosa tinha um morto em suas raízes", "Minha voz era a única a encher o silêncio", "Cantei para os que não tinham voz", "Minha voz golpeou as portas até então fechadas", "para que, combatendo, a Liberdade entrasse."


Voltando a falar como Neruda, termina o poema com estes seis versos:


"Castro Alves do Brasil, hoje que teu livro puro

volta a nascer para a terra livre,

deixe-me que eu, poeta da nossa pobre América,

coroe tua cabeça com o laurel do povo.

Tua voz se uniu à eterna e alta voz dos homens.

Cantaste bem. Cantaste como cantar se deve."


Em comemoração à data, lançou ontem a Secretaria das culturas da Cidade do Rio de Janeiro uma recolta de poemas subordinada ao título de "Pablo Neruda e sua poesia eterna". Editoração de Beth Almeida, projeto gráfico da capa de Ana Paula Coelho, projeto editorial da Inah de Paula. Revisão de textos de Maria de la Merced de Lemos Mendes. O volume é destinado a distribuição gratuita a instituições culturais.


 


Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro - RJ) 13/07/2004

Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro - RJ), 13/07/2004