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Celso Furtado, o oitentão 'imortal'

 

Aí está, nas livrarias, a 10ª edição do livro “Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico”, do acadêmico Celso Furtado, que o considera o mais importante livro de sua vida, como resultado de 20 anos de estudos realizado na França.


Como ex-pracinha, ele teve em Paris o seu primeiro contacto com o universo europeu, então dizimado pelo conflito mundial. Já doutorado pela Universidade de Paris, integrou a célula mater da Cepal, como fonte geradora de todo um brilhante e coeso grupo de economistas latino-americanos, com o argentino Prebisch inserido nele. Recebeu o diploma de post-doutorado na Universidade de Cambridge, onde conheceu os maiores luminares da doutrina econômica. De lá, veio trabalhar, como o criador da Sudene, nos últimos anos do Governo de JK.


Produziu, então, um plano realmente objetivo para equacionar o problema da seca, deparando-se aí com Dom Helder, Gilberto Freyre, o DNOCS, Antônio Melo, Julião, a reforma agrária, os usineiros e já os “sem-terra”. Atravessou o tumultuado governo Jânio, até chegar os dias de Jango, como ministro do planejamento. Foi recebido pelo Presidente Kennedy na Casa Branca e participou da conferência de Punta del Este, quando nasceu a Aliança para o Progresso.


Mas onde cresceu mesmo e se agigantou foi na fase do exílio, iniciado em 1964, no Chile e continua depois nos Estados Unidos (Yale, guerra fria, Vietña) e na França (de Gaulle e Chienlit): “Para um grupo de sonhadores exilados, previ aí um exílio de pelo menos 15 anos”. Em Paris, é então o único professor estrangeiro convidado por De Gaulle para ensinar na Sorbonne, onde, durante mais de 20 anos, dá aulas magistrais e inesquecíveis, diante de repletas e entusiasmadas platéias de estudantes.


DISPUTADO. Ao longo desse ostracismo, perseguido pelo regime militar brasileiro, cujos tentáculos procuravam alcançá-lo onde estivesse, Celso Furtado vê-se disputado pelas mais importantes universidades européias e americanas. Evita envolver-se no Tribunal Bertrand Russel, por considerá-lo impróprio e inadequado. Vai ao Japão e à China (maoísmo e revolução cultural).


Certa vez, em 1980, eu estava em visita à Universidade de Tóqui, quando perguntei um funcionário se havia ali o livro de algum autor brasileiro. E qual foi a minha surpresa quando ele me trouxe o exemplar de um livro de Celso Furtado, no idioma japonês.


Pois bem, é este paraibano modesto e valoroso - com uma obra já traduzida para o inglês, francês, italiano, castelhano, sueco, polonês, persa, chinês, japonês e coreano - que agora nos brinda com mais uma edição deste seu “Teoria e Política Do Desenvolvimento Econômico”. Nesse livro, em estilo cartesiano, escrito na moldura e no figurino das atuais economias, com objetivos quase didáticos e pedagógicos, ele analisa, não raro em equações algébricas e geométricas, as teorias de Keynes, Weber, Rostow e de quase todos os grandes formuladores da PolíticaEconômica do mundo nestes Séculos XVIII, XIX e XX: Adam Smith (“A Riqueza das Nações”); Sturt Mill (“Princípios de Economia Política”); Karl Marx (“O Capital”); Friedrich Engels (“A Sagrada Família” e “O manisfesto do Partido Comunista”); Vladimir Lenin (“O Estado e a Revolução “); Friedrich Hegel (“Grande Lógica: a tese, síntese e antítese”); Ragnar Nurkse (“Problemas da Formação de Capital”); Thomas Malthus (“Um ensaio sobre o princípio da população”); Alfred Marshall (“Princípios de economia política”); e Raul Prebisch (“Relações de dominação e dependência entre povos”).


Não tem a pretensão de convencer ninguém de suas idéias, porque tenciona apenas estimular um exercício de análise sobre elas, advertindo para os perigos da globalização que o mundo hoje enfrenta. Adverte também para o engessamento das economias periféricas, que cada vez mais se endividam com os altos juros pagos ao centro de poder, beneficiados pela crescente concentração de rendas: - Essa concentração não é um fato meramente brasileiro, porque também mundial.


O lançamento desta 10ª edição coincidiu, na semana passada, com uma série de homenagens ao pensador brasileiro, às quais estive presente, como representante da Academia Brasileira de Letras:


1. As prestadas pela Sudene, no Recife, durante um Seminário Internacional sobre “O Futuro do Nordeste”, em comemoração aos 40 anos de criação da Sudene, com a presença de representantes do BID, da OIT e da Cepal, além de vários outros conferencistas brasileiros e estrangeiros. O imenso auditório estava inteiramente lotado, com mais de 2 mil pessoas, sentadas, em pé e nas escadas, todas inscritas para a palavra do criador e do primeiro superintendente da Sudene, criada justamente durante o grande governo do nosso comum e querido amigo, o presidente Juscelino Kubistchek de Oliveira, cujo nome, sempre que citado, era delirantemente aplaudido por todos.


2. Seguiram-se as homenagens prestadas em João Pessoa, pelo governador José Maranhão, da Paraíba, aos 80 anos de idade do seu grande conterrâneo, que se completam justamente no próximo mês de julho.


3. Na quarta-feira desta semana, foi a vez da Universidade de São Paulo. Haja coração e haja saúde para resistir a tantas emoções.


E assim, já oitentão, Celso Furtado vai-se transformando numa personagem mítica, lida e ouvida com respeito e admiração, em todo o País, sobretudo pelos jovens universitários. Ele é hoje um motivo de alegria e de justo orgulho para toda essa nossa atual geração de brasileiros.


Não foi à toa nem por acaso que se viu eleito, no ano passado, como “O economista do século”. Não foi à toa nem por acaso, também, que a Academia Brasileira de Letras o elegeu para o seu Quadro de Membros Efetivos, a fim de que ele convivesse fraternalmente com seus colegas “imortais” todas as quintas-feiras, na sua inesgotável riqueza de ser humano, vocacionado para o carinho e o companheirismo, que a todos eles muito honra e orgulha.


 


Jornal do Commercio, 17/06/00