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Cagões em silêncio

 

O presidente Lula afirmou que não irá ficar remoendo o passado a respeito de 1964, porque os atuais generais eram crianças quando o golpe militar aconteceu e não tiveram nada a ver com ele. Tem razão. Como esses generais estão hoje entre os 60 e os 70 anos, tinham então menos de 10, idade em que, segundo Nelson Rodrigues, deviam estar raspando perna de passarinho a canivete. Ou passando mais tempo no banheiro do que estudando.

Por não serem responsáveis por 1964, os generais hoje na ativa não deveriam se sentir herdeiros do golpe e obrigados a defendê-lo das acusações de tortura, execução e desaparecimento de seus adversários. Ao contrário —sem envolvimento emocional com os algozes e vítimas, seu maior interesse deveria ser ilibar as Forças Armadas dessa nódoa, admitindo que foram tais e quais oficiais que cometeram os crimes, e não as Forças em conjunto. O "esprit de corps" de que não se livram só serve para explicar por que, culpado ou inocente, nenhum milico saía fardado às ruas das grandes cidades brasileiras durante a ditadura.

Os generais de hoje têm agora também a oportunidade de impedir que o espírito golpista e criminoso de alguns de seus colegas contamine a opinião de quem, daqui a 60 anos, se debruçar sobre outro golpe ou tentativa de —o de 2022.

Para isso, deveriam contar tudo o que sabem nos depoimentos a que forem intimados, em vez de ficarem mudos como fizeram há pouco nove cagões, entre os quais os generais Augusto Heleno, Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira e o comandante Almir Garnier. O silêncio só lhes serviu para, além de se autoincriminarem, exibirem sua covardia. Sim, Bolsonaro também ficou mudo, mas este sempre foi um valente de palanque —e, agora, nem isso.

Pelo retrospecto, Heleno, Braga, Paulo Sérgio e Garnier, crianças em 1964, deviam ser das que, diante do perigo, corriam para as saias da mãe. Continuam.

Folha de São Paulo, 06/03/2024