Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > A boa memória de Niskier

A boa memória de Niskier

 

Capistrano de Abreu pensava que a nossa história, para ganhar maior precisão e melhores estudos carecia sempre de análises criteriosas de episódios, momentos, fatos, o que fosse parte do todo.

Claro que a memorialística aí está incluída. O novo livro do Arnaldo Niskier, Memórias de um sobrevivente, é um rico desses valores e desses critérios.

Ali está em corpo inteiro não apenas um retrato mas uma verdadeira radiografia de Adolpho Bloch fase importante da história da comunicação no Brasil, da acolhida ao imigrante, da fragilidade empresarial face ao Estado forte, da lealdade a um capo, o autor ameno das convergências cativo e dos rompantes que desconcertam.

O livro é a cara do Niskier. Buliçoso e sincero.  Múltiplo e singular, evolutivo e tradicionalista, tudo junto, tudo misturado.

A panóplia dos mundos executivos que já cruzou mostra muito bem o perfil do administrador incomodado com as mesmices. Nas Secretarias de Estado, na presidência da Academia Brasileira de Letras, na direção de órgãos da imprensa, sempre o mesmo espírito criativo, sempre o incansável empreendedor de bom gosto moderno.

Niskier é um trabalhador. Tarefas, orçamento curto, prazos escassos, falta de auxiliares capazes, nada o põe em escanteio. É um incrível trabalhador.

O livro narra de como acreditou no que fez, das dificuldades transpostas, sem perder a classe, sem prejudicar seus deveres de lealdade, sem despovoar a biografia de gestos de compreensão e altivez. Sem concessões à espuma dos dias; no alvoroço de viver.

Tudo o que eu digo deve ter, e é bom que tenha, as caras da amizade. Se fosse verdade que judeu não tem amigos, só interesses, Niskier está aí para desmentir. É claro que na vida teve os seus interesses e tomara que os tenha pela vida em frente, pois novos e categóricos gestos de amizade sairão da sua alma.

Dá-me gosto vê-lo tão partícipe, a cada semana, nas sessões da Academia. Bravo, que não arrepia caminho, manhoso que sabe a trilha amena, fiel que não renega a crença. Niskier é um craque. A Academia precisa sempre da sua disposição. O Rio, também.

O livro conta de muita coisa, de muita gente: Roberto Marinho, Gervásio, o fotógrafo, Rabin, o Colégio Pedro II,  Agatha Christie, a cachorra Mila e a cachorra Manchetinha, o IWC, Sabin, Athayde, Sarney, a luminosa inteligência de Carlos Heitor Cony, Murilo Mello Filho e a sua obsessão de ser informante preciso, Justino Martins e as mulheres, a vista do Rio a partir do 8º andar do prédio do Russel, a pinacoteca datal mais importante, Tom Jobim, e mais e mais e mais.

Coroando tudo o múltiplo JK, a suavidade prestante da sua Ruth, comadre muito querida.

Esse Niskier é um craque.

Jornal do Commercio (RJ), 21/9/2012