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Basta o verbo tó bé

 

Em "Avanti! Amantes à Italiana", comédia de 1972 de Billy Wilder, Jack Lemmon, no papel de um americano que nunca botou os pés fora dos EUA, chega à Itália. Entra no chuveiro para tomar uma ducha, abre de supetão a torneira e dá um berro ao receber o jato. O "C "da torneira, que ele imaginara significar "cool", fria, em inglês, era a de "caldo", quente, em italiano. Escaldado, vocifera: "Esses estrangeiros!". Não se conforma com que os italianos tenham direito à própria língua.

Hoje, essa deliciosa gag, típica de Billy, não teria razão de ser. Em todas as torneiras da Itália, do Hotel Excelsior, na Via Veneto, em Roma, com seus 119 anos de cartolas, quepes e coroas, ao mais humilde airbnb calabrês, a temperatura da água passou a ser regulada em "H", "hot", e "C", "cool". Não apenas as torneiras, mas todos os serviços vêm na língua inescapável que seus prestadores são obrigados a aprender —o inglês. E, como disso dependem seus empregos, eles o aprendem sem piar.

Para se comunicar na Europa, nenhum turista precisa mais arranhar rudimentos de italiano, espanhol ou francês. Se souber conjugar pouco mais que o verbo tó bé, estará feito. Garçons, taxistas, camareiras, parapsicólogos, taxidermistas, enfim, todos os profissionais com quem ele terá de tratar no dia a dia, falam inglês. É como se as línguas europeias, com sua rica herança de dantes, cervantes e molières, tivessem se reduzido a dialetos nativos, falados pelos locais e apenas entre eles.

Não só as línguas estão sendo desidratadas naqueles outrora orgulhosos territórios. A vida particular de seus falantes, também. Diante da tomada de suas capitais pelas massas vindas de fora, eles tiveram de se mudar para as periferias. Os transportes públicos já não lhes pertencem. E suas lindas e antigas aldeias são hoje cidades cenográficas à margem de autoestradas, ocupadas por zumbis que as invadem durante o dia como gafanhotos.

E que, no fim da tarde, evaporam-se, deixando seu dinheiro e seu lixo para trás.

Folha de São Paulo, 01/06/2025