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Athayde, um admirável cronista

 

Neste livro "Austregésylo de Athayde", estão reunidas 117 das melhores crônicas que o autor escreveu ao longo de 60 anos, primeiro como jornalista e diretor do "Diário da Noite", e, depois, como cronista em "O Cruzeiro" e no "Jornal do Commercio"; também como membro e, mais tarde, como presidente da ABL.


Ao longo dessas seis décadas, Belarmino Maria Augusto Austregésilo de Athayde foi um apaixonado trabalhador, um combativo jornalista, um cronista diário, um intérprete do seu tempo e um vidente do seu País, que acompanhou, dia-a-dia, as realidades brasileiras e internacionais, com mais de 10 mil artigos publicados.


Como cronista-testemunha, à semelhança de João do Rio, Marques Rebelo, Genolino Amado, Álvaro Moreyra, Rachel de Queiroz, Clarice Lispector e, não raro, também como participante de uma época de ouro da nossa História, ele foi o admirável retratista daquele mais de meio século da instigante vida brasileira.


Nada escapou ao seu binóculo privilegiado, de onde vislumbrava e descrevia todo o cenário do Brasil e do mundo.


Em suas peregrinações pelos Estados Unidos e pela Europa, teve contatos pessoais com alguns dos líderes e das líderes que escreveram a história do Século XX: o Papa Pio XII, Herbert Hoover, Henry Ford, Nelson Rockefeller, George Bidault, Léon Blum, Ivan Pavlov, Eleanor Roosevelt, Jimmy Carter e Vincent Auriol.


Neste livro, encontram-se textos antológicos sobre Elizabeth II, Thomas Jefferson, Kruchev, Einstein, Gargarin, Fidel Castro, Trujillo, Sinclair Lewis, Ruben Dario, Garcia Lorca, Bacon e, no plano brasileiro, Machado de Assis, Lima Barreto, João Ribeiro, Otto Lara Resende, Rachel de Queiroz, Juscelino Kubitschek, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.


Athayde ia completar 95 anos de idade no dia 25 de setembro de 1993, mas morreu doze dias antes.


E deixou escrito: "Infeliz é quem não morre. Porque viver também cansa".


Acrescentava:


"Na minha idade, já não faço amigos novos. Os jovens gostam de mim, mas me tratam à distância, como se eu fosse um pajé. As novas gerações vão passando e eu vou ficando. Ao chegar a esta incomum idade de 95 anos, sei que a minha vida algum dia vai terminar e é mais do que natural que assim seja, pois já foi um privilégio meu chegar até aqui."


"Hoje, aos 95 anos, sinto-me como um menino de 30. Nunca tirei um dia de férias ou faltei a um dia de serviço. Cumpro rigorosamente todos os meus compromissos sociais, atendendo numa só noite a dois ou três convites."


Minha família sempre foi um exemplo de união: minha mulher, Maria José; minha filha, Laura; meus filhos, Antônio Vicente e Roberto; meu genro, Cícero Sandroni, meus netos e netas; e minha Secretária, D. Carmen, que constituem o meu enorme e inestimável patrimônio.


Athayde definia-se como um católico na infância e na juventude e um agnóstico na maturidade e na velhice. Afirmava acreditar em Deus, mas queria ter d´Ele uma prova pela Razão, como Ernest Renan e não pela Fé, como os padres lazaristas do Seminário da Prainha, em Fortaleza, onde estudou Teologia até o 3º. Ano, mas deixando a batina três anos antes de ser ordenado sacerdote.


De Belarmino, contam-se histórias maravilhosas, como a daquela visita feita ao Mausoléu da Academia no Cemitério de São João Batista por um Governador do Rio de Janeiro, que, pensando agradar, fez o seguinte comentário:


"Aqui dentro está tudo muito limpo, com este mármore branco. Mas faz um calor terrível, que me está fazendo suar em bicas. Athayde: você bem que poderia mandar abrir umas janelas, para refrescar um pouco."


E, apontando para os jazigos, Athayde respondeu:


"Veja bem, Governador. Eles já estão aqui há vários anos. E até agora nenhum se queixou de nada."


O autor destas crônicas, que agora estão sendo lançadas nas livrarias, sempre defendeu a tese de que a ABL devia ser proprietária de um patrimônio imobiliário, que garantisse a sua independência financeira. Começou então a "namorar" uma área vizinha ao Petit Trianon, sede do Tribunal Federal de Recursos, antes da sua transferência para Brasília. Conseguida a doação do terreno, lutou quase 20 anos pela construção desse bonito edifício de 33 anos, que foi depois, com muita justiça, batizado com o seu nome.


Ao inaugurá-lo no dia 20 de julho de 1979, Athayde entre outras coisas, disse o seguinte:


"Sempre sonhamos com este edifício. Agora, podemos olhar de frente o nosso destino. E quando, sobre as gerações de hoje baixarem as sombras, então será possível, aos que vierem depois de nós, dizer estas palavras consoladoras: a realidade é ainda maior do que o sonho."


A realidade e o sonho de Belarmino Maria Augusto Austregésilo de Athayde reencontraram-se anos depois na Sala dos Fundadores da Academia, há poucos dias, quando foi lançado este livro com 117 crônicas do Autor, honrado com um prefácio do seu genro, o presidente Cícero Sandroni, segundo o qual, assim como Machado, um bruxo do Cosme Velho, foi o grande fundador da Academia Brasileira de Letras, Athayde, outro bruxo, também do Cosme Velho, foi o seu inesquecível construtor.


Jornal do Commercio (RJ) 3/7/2008