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Arte e personalidade

 

Os Movimentos artísticos inovadores, conforme o que trazem de realmente novo, deflagram processos estéticos às vezes realmente criativos. De qualquer modo, mesmo nesses casos, o que os torna realmente fecundos e renovadores é a personalidade de cada artista que deles participam. Sem ela, as ideias novas não produzem resultados significativos.

Um exemplo bem marcante do que afirmo pode-se verificar no cubismo –sem dúvida um dos movimentos mais renovadores da história da arte–, do qual só efetivamente se destacam as obras de Pablo Picasso e Georges Braque, embora muitos outros artistas tenham dele participado.

Deve-se observar, no entanto, que cada uma das tendências inovadoras que se registra na história da arte possui características próprias e, consequentemente, resultados artísticos distintos. Nisso influem as personalidades inovadoras, como já observamos, mas também outros fatores, como o contexto histórico em que surgem.

Neste particular, um movimento que especialmente nos interessa é o movimento concreto, que se inicia no Brasil no começo da década de 1950. Um dos elementos que o caracteriza é o fato de que não se trata de uma tendência nascida aqui e, sim, de um movimento artístico importado, como, aliás, também o foram os demais movimentos anteriores, a exemplo do romantismo, do simbolismo, do parnasianismo, do futurismo etc.

Em todos esses casos, precisamente por serem transplantados de um contexto cultural para outro, ganham características diversas do original, o que às vezes lhes empresta alguns traços efetivamente inovadores.

O caso do concretismo brasileiro implica um fator particularmente importante, porque promoveu uma ruptura com o movimento que introduzira a arte moderna no Brasil, ou seja, o modernismo de 1922. Desde aquela época, a arte brasileira seguira um rumo que, embora tendo sofrido mudanças, preservava algumas características básicas, sendo uma delas o caráter figurativo da linguagem pictórica.

Nesse sentido, o concretismo estabelecia um rompimento radical por introduzir na arte brasileira uma linguagem abstrata e objetiva, fundada na geometria e sem qualquer antecedente aqui. No primeiro momento, só aderiram à nova tendência artistas jovens, apoiados por Mário Pedrosa, entusiasta da nova tendência.

É certo também que a 1ª Bienal de São Paulo, realizada em 1951, trouxe obras de artistas daquela tendência, como Max Bill, que ganhou o grande prêmio daquela Bienal com sua escultura concreta "Unidade Tripartida" e tornou-se conhecido nos meios artísticos brasileiros. Talvez por isso, as primeiras manifestações importantes da arte concretista, entre nós, tenham sido a de dois escultores, Franz Weissmann e Amilcar de Castro, que seguiram a lição do suíço.

Em torno de Pedrosa, formou-se um grupo de jovens artistas, que explorou a linguagem concretista, imprimindo-lhe expressões às vezes originais.

Ao mesmo tempo, em São Paulo, também se formou um grupo concretista que tinha como figura principal Waldemar Cordeiro. Não obstante, a maioria dos artistas brasileiros não se converteu à arte concreta, como os da velha geração –Portinari, Di Cavalcanti, Guignard, Bruno Giorgi– e mesmo alguns mais jovens como Milton Dacosta, Maria Leontina e Iberê Camargo, que se mantiveram figurativos. Dacosta sofreu a influência da nova tendência, geometrizando suas composições figurativas.

Já Iberê Camargo se manteve afastado da linguagem geométrica, embora tenha imprimido a sua pintura um grau de abstração que ela não possuía antes. Ao mesmo tempo, sua pintura adquiriu um grau de subjetividade que o afasta radicalmente da representação do mundo real.

Pelo contrário, ele elimina de seus quadros o colorido próprio da paisagem cotidiana e os constrói em cores escuras e densas, ao mesmo tempo em que usa a pasta pictórica de modo impetuoso, como para transcender o controle racional do fazer pictórico.

Por isso mesmo, Iberê Camargo não se enquadra em nenhuma escola artística específica, ainda que se aproxime às vezes do expressionismo abstrato. De fato, sua personalidade criadora fez dele um dos mais originais pintores modernos brasileiros. 

Folha de São Paulo (RJ), 01/11/2015